O mundo rural visto pelo retrovisor

Eliziário Toledo[i]

 

Sinto-me responsável e honrado por fazer parte desse espaço. Nos encontraremos aqui pelo menos uma vez por mês com temas relacionados com a agricultura familiar, sustentabilidade, política agrícola e meio ambiente.

Quase toda minha vida esteve ligada aos assuntos do rural. Sou filho de um pequeno agricultor do município de Lagoa Vermelha, no nordeste gaúcho e vivi na e da agricultura até os 20 anos de idade, e isso não foi uma coisa trivial e nem romântica. Além disso, passei mais de 30 anos, estudando e escrevendo sobre agricultura, e acreditem que é bem mais fácil do que viver somente dela.

Na minha comunidade havia cerca de 70 famílias, atualmente existem seis ou sete. Isso por si próprio representa uma brutal mudança. Aquele modo de vida que conheci e vivi se perdeu nas brumas do passado, que se torna impotente ao não captar e compreender os desafios do mundo presente. O passado se oferece para anunciar de onde viemos, e qual a origem dos nossos valores.

O fato é que grande parte daqueles agricultores de meu tempo não existem mais. São outros sujeitos com novas visões de mundo, outros desejos, e expostos à conjunto de influências e necessidades continuamente transformadas, e isso é um fato difícil de negar. Ao recusar esse processo, o discurso saudosista do passado soa apenas como queixa com pouca ou nenhuma capacidade em absorver a mudança e transformá-la em uma ferramenta de mudança para a desejável (e se possível para melhor) da própria sociedade.

Não pairam dúvidas que é muito mais fácil ser agricultor nos dias atuais do que no passado, mas os desafios são outros, e não poucos. Aquilo que antes podia ser traduzido como um “modo de vida”, tornou-se em uma atividade regida pelas demandas do mercado, inclusive, a própria subsistência das famílias rurais em uma sociedade cada vez mais socializada e mediada pela necessidade de dinheiro. Antônio Cândido descreveu esse fenômeno com maestria em “Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida”, ainda na década de 50. Não há, portanto nenhuma assombrosa novidade nisso, é um fato.

Por outro lado é sabido que o Estado quase sempre tratou o mundo rural com desdém, traduzindo-o como expressão do poder do atraso e que devia ser transformado. Entretanto, pouco fez para oferecer boas escolas, disponibilizar bons serviços de saúde e infraestrutura adequada, essa realidade de abandono ainda persiste em grande parte das regiões rurais brasileiras.

Da mesmo forma, há um certo ranço em reconhecer a diversidade do mundo rural que não cabe apenas no chavão dualista enfatizado pelos defensores do agronegócio ou da agricultura familiar. O primeiro é traduzido como expressão da senzala, do latifúndio, e vetores do desenraizamento social e ambiental. O segundo como sinônimo da pobreza, da precariedade material, e lugar privilegiado das virtudes protetoras da vida social e dos recursos naturais.

As transformações que ocorreram nas regiões rurais brasileiras no últimos 50 anos, converteu o país de importador para exportador de produtos agrícolas. Parece que o problema da produção agrícola foi resolvida, contudo, ainda está em aberto a pauta sobre as estratégias em produzir e ofertar alimentos com atributos de qualidade e segurança aos consumidores. Por outro lado, a exclusão social e econômica de milhões de famílias rurais ainda aguardam solução.

Contudo, somente com o apelo aos guardiões do passado, os discursos de inconformidade e de revolta serão apenas lamentos a reivindicar um retorno que jamais acontecerá. Além disso, essa opção pouco contribui para enfrentar os desafios do presente.

Entender os tempos esse é o dilema, e o nosso grande desafio.

 

[i] Sociólogo. Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS).

Doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB).

Mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS). E-mail: enbtoledo@gmail.com.