O Romantismo quase sempre é retratado como um movimento artístico, cuja origem remonta as decepções não cumpridas e trazidas pelo ideário das revoluções, especialmente a Revolução Industrial e a Francesa. Expressa igualmente, uma visão de mundo, uma resposta ao conjunto de transformações levadas a efeito pela ampliação das relações capitalistas. Logo é uma visão multifacetada, contraditória e opositora ao capitalismo. Expressa por assim dizer, a recusa e o sentimento de perda de um mundo real e histórico ao apontar a transformação mercantilizada, que exalta o egoísmo do homem como traços que destroem os laços de solidariedade das comunidades humanas. Busca então, o reencantamento do mundo por meio da utópica imaginação, cujas fantasias buscam fugir da dura realidade cotidiana.
A obra de Lima Barreto em O Triste Fim da de Policarpo Quaresma transita do mundo real ao mundo imaginário buscando desvelar o “verdadeiro Brasil”, enfatizando entre outros desejos, destacar o caráter ingênuo e desinteressado pelo uso do dinheiro, pela quase ausência e busca de posição e ascensão social e ao mesmo que expunha o caráter inconfundivelmente anti-modernizante e anticapitalista.
Este brevíssimo preâmbulo ilustra que uma parcela de lideranças sindicais, organizações da agricultura, e de alguns estudiosos do mundo rural contemporâneo, acreditam que parte expressiva do mundo atual ainda é regido pelas premissas saudosistas, mágicas e românticas de Policarpo Quaresma. Nesse sentido, é pertinente a afirmação de Viviane Forrester em O horror econômico, em que “(…) Participamos de uma nova era sem poder observá-la. Sem admitir e nem sequer perceber que a era anterior desapareceu. Portanto, não podendo enterrá-la, passamos os dias a mumificá-la, a considerá-la atual e em atividade”. Entretanto, o tempo não se demora e nem se perde com dias que já passaram.
Zygmunt Bauman em seu último livro Retrotopia publicado em 2017, disseca o fenômeno atual na busca um mundo melhor com ideias elaboradas no passado. De forma, a nostalgia se transformou em mecanismo de defesa, e por vezes, representa a negação da realidade atual. O passado foi abandonado, mas não enterrado ao ser em parte ressuscitado e reabilitado como possível caminho para a construção de um futuro mundo melhor.
Essa interpretação se encaixa com a visão de que a agricultura é um “modo de vida”, e se choca ao negar que a agricultura está se tornando cada vez mais em uma atividade econômica para todos os agricultores, independentemente de onde estejam e do tamanho do seus estabelecimentos. É sabido que o desenvolvimento capitalista é um processo gerador de desigualdade e de exclusão. Forrester, apontava que os “excluídos” representam, sobretudo, uma falácia do discurso dominante, eles são “(…) riscados, escamoteados dessa sociedade, eles são chamados de excluídos. Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, incluídos até a medula!”. O desafio posto para aqueles que estudam e labutam no mundo rural é como deslindar o problema social e econômico dos agricultores, e especialmente daqueles empobrecidos, cujo sistema de produção agropecuária insiste em continuar descartando.
Entre 2014 e 2016 fiz parte de um grupo de 30 pesquisadores da Embrapa para a realização de pesquisa entre os agricultores familiares residentes nos estados de Santa Catarina – SC, (Concórdia), Paraná – PR, (Itapejara d’Óeste, Verê), Bahia – BA, (Cruz das Almas, Uauá), Pernambuco – PE, (Petrolina) e Pará – PA, (Augusto Corrêa e Viseu). Os dados foram utilizados para a elaboração de minha tese de doutorado que foi defendida na Universidade de Brasília (UnB) em julho de 2017. O objetivo da pesquisa era captar a capacidade dos estabelecimentos rurais em gerar renda monetária. Os dados revelaram que 21,6% da amostra possuíam Valor Agregado Bruto (VAB, o valor de todas as mercadorias utilizadas na produção de outras mercadorias, descontado o valor total das mercadorias produzidas), entre R$ 50.000,00 a R$ 480.000,00 anuais (média de R$ 2.840,47, mensais por pessoa do estabelecimento – referência o salário mínimo de R$ 678,00 em 2013). Pode-se inferir que esses agricultores efetivamente são os que “vivem da agricultura”.
O segundo grupo representou 13% da amostra com VAB situado entre R$ 25.000,00 a R$ 50.000,00 anuais (média de R$ 711,14 de renda média por pessoa do estabelecimento), e está localizado majoritariamente nos estados do PR, SC e uma parcela de no PA. Esses estabelecimentos demonstraram que podem ser potencializados por meio de políticas indutoras de desenvolvimento rural (educação, assistência técnica, crédito rural, infraestrutura, seguro, etc.), utilizados para promover a aumento dos patamares produtivos, econômicos, tecnológicos e sociais das famílias rurais.
O terceiro grupo de agricultores familiares, o mais expressivo, está localizado nos estados do PA, PE, BA e uma parcela em SC, cujos estabelecimentos possuem pouca ou nenhuma aptidão agrícola, representou 56,2% da amostra. O VAB anual foi inferior a R$ 25.000,00 (média de R$ 168,18 mensais por pessoa do estabelecimento). A surpresa foi a inclusão de SC, pois o município de Concórdia possui elevado índice de desenvolvimento humano e de renda per capita. Parte expressiva desses agricultores está sendo apoiado por transferências sociais como estratégia de “ganhar tempo” da provável exclusão. As transferências sociais é uma importante fonte de proteção aos agricultores, pois 73,5% da amostra confirmou receber esses benefícios, sendo que 28,3% recebeu o correspondente inferior a um salário mínimo, 29,2% de um a dois e 16% de dois a três. O trabalho de pesquisa demonstrou ainda a existência de um grupo de 8,6% da amostra de agricultores familiares com renda negativa (devedores).
Podemos concluir em base aos dados que cerca de 60% dos agricultores familiares investigados estão na linha pobreza. Além disso, o atual sistema de produção agrícola parece indicar não necessitar mais de grande parte deles. O problema da produção agrícola foi resolvido, pois já não há mais escassez de alimentos, mas ainda está em aberto o dilema técnico da oferta dos atributos de qualidade, segurança e a gestão dos impactos ambientais provocados. Por outro lado, ainda está por resolver o quebra-cabeça da questão social, cuja solução é reduzida se visto apenas pelo lado das alternativas oferecidas pela via agrícola.
Dai cabe a alusão ao pensamento mágico do mundo de Policarpo Quaresma captado em parte pelas lideranças sindicais e inúmeros pesquisadores de estudos rurais ao desconsiderar as transformações políticas, econômicas, empresariais e burocráticas as quais as populações e as regiões rurais estão submetidas.
O desafio posto para os sindicatos, cooperativas, pesquisadores é aprofundar estudos sobre as necessidades econômicas das atividades agropecuárias e chamar a responsabilidade dos municípios, do Estado e da União, em apoiar com orçamento público adequado para financiar política públicas consistentes de desenvolvimento rural.
Por Eliziário Toledo