A história humana, contada em prosa e verso têm sido a luta acirrada e contínua para “vencer” as forças da natureza. Grande parte dessa interrupta empreitada supostamente foi vencida. A vitória aparente rendeu a ideia de que todos nós estamos seguros.
Não estamos!
A vida que rege o caudaloso itinerário da natureza, de uma forma ou outra, encontra formas de se manifestar e eliminar os mais fracos e doentes. Não é castigo nem dádiva. É nascer, viver e fenecer. A bem da verdade, que o poder da letalidade foi reduzido, mas as condições de acesso às possibilidades de tratamento e cura não estão igualmente à disposição de todos.
Para os mais afortunados, mesmo que alguns pereçam, certamente perecerão em condições de cuidado melhores que a maioria. É a tradução da eterna desigualdade na sociedade brasileira que parece naturalizada. Por outro lado, na morte há uma prosaica e duvidosa ideia de “justiça democrática”, cedo ou tarde atinge a todos indistintamente, sejam eles afortunados ou não, mas ela pode ser postergada e amenizada, se as escolhas conduzirem a isso.
Para uma sociedade como a brasileira, gerada e crescida que prosperou sob o signo da abundância e da desigualdade, faz pouco sentido alocar esforços em se preparar para o tempo das vacas magras. Afinal, Deus é brasileiro e ele proverá! Cristovam Buarque tem afirmado que o Brasil é um país deseducado, sem coesão, precário, violento, autoritário, instável, acomodado, imprevidente, corporativista, ineficiente, desperdiçador, pobre em ciência, com baixa renda, com escandalosa desigualdade, permissivo, complacente, racista, egoísta, futebolístico, carnavalesco, fantasioso, sem rumo, e apesar de tudo, alegre.
Talvez o que mais merece destaque é a chocante e perigosa desigualdade da sociedade brasileira, que após décadas e décadas, tornou-se parte aceita do cotidiano,
Para aqueles que vivem em situação de constante e permanente perigo, este não é uma condição ocasional, é rotina. É a condição humana da vida cotidiana na crua e dura expressão da realidade, na maioria das vezes, indesejada. Há uma certa sabedoria nas pessoas que vivem nessas condições: de aceitar e naturalizar o risco eminente de ambientes violentos, em que as possibilidades de morte são reais. Sem essa habilidade, enlouquece.
A vida se torna efetivamente um inferno, se a opção for viver continuamente sobre às sombras do medo. Ele se torna com o tempo em expressão da covardia. A coragem é a manifestação imanente e muitas vezes não sabida do medo vencido.
Aceitar dói menos! O que não está remediado, remediado está!
É notável que a crise de saúde e sanitária provocada pelo “novo coronavírus”, denuncia o tamanho da escandalosa desigualdade e histórica imprevidência de que tudo se ajeita.
Chega a soar risível alguns conselhos!
A exigência de “distanciamento social” desafortunadamente escancara a desigualdade social. É um luxo indisponível para quase 14 milhões de pessoas (cerca de 7% da população) e vivem nas cinco mil favelas brasileiras, 86% dessa população já encontram em dificuldades para adquirir itens básicos de alimentação, quanto mais, outras futilidades.
As pessoas enfrentam dificuldade em lavar as mãos com sabonete, sob a exigência de a cada três horas, usar álcool gel a fim de manter a distância o terrível patógeno.
Metade das pessoas que vivem nas favelas brasileiras não tem acesso a água com regularidade nem mesmo para cozinhar. A média das “habitações” é de vinte metros quadrados onde comportam cerca de quatro a cinco pessoas.
“Antes passavam fome os que não trabalhavam, agora passam fome os que estão trabalhando”, a frase de Brecht escrita há mais de sessenta anos soa como uma maldita profecia dos tempos duros que estão por vir.
Custo crer que exista alguma virtude na pobreza material. Prefiro pensar que as pessoas não escolhem serem pobres deliberadamente. Grande delas arte de são vítimas do resultado da negação, desde a tenra idade de oportunidades socioeconômicas. É um processo deliberadamente construído e legitimado pela opção política e pela economia.
É certo que as sociedades estão muito mais propensas e a ficar como estão do que mudar. Mas por outro lado, a necessidade é a mãe de todas as mudanças, e certamente o país, depois da crise de saúde será outro pelo bem ou pelo mal. Mas é necessário liderança, apaziguamento e serenidade, coisa cada vez mais distante da realidade.
O tempo é o senhor da razão, se pudermos fazer as melhores escolhas quando o alvo e destino for o bem coletivo para proteger os realmente necessitam de proteção.
Eliziário Toledo
Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS, 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB, 2017), mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS, 2019).