Mais um dia 15 de outubro. É uma data importante do calendário reservada ao “Dia dos Professores”. Tem até feriado (geralmente deslocado), tem até algum presente, tem até alguma mensagem nas redes sociais, enfim, tem até algum carinho.
Todas as pessoas precisam de reconhecimento social. Nós somos seres sociais e vivemos em processo permanente de (auto)conhecimento. O reconhecimento nos permite ter autoconfiança, nos afirmarmos enquanto sujeitos sociais, enquanto cidadãos e cidadãs. Reconhecimento social não é a mesma coisa que fama. Reconhecer a profissão docente não torna professoras e professores pessoas famosas, mas sim, pessoas respeitadas.
O respeito é parte da convivência humana, reforça laços de reciprocidade, de cooperação e nos humaniza. Portanto, reconhecimento e respeito são dimensões que potencializam as relações humanas, tendo influência em nossa vida privada e nos espaços públicos que compartilhamos.
Nós, professores e professoras, nos reconhecemos na educação e exercemos um ofício, dentre outros, estratégico na sociedade. As instituições (escolas, universidades) são espaços de atuação de quem, ao aprender, torna-se competente para ensinar. Ensinamos conteúdos e, sobretudo, despertamos curiosidades, projetamos sonhos, vivemos diariamente as contradições sociais que tornam estudantes mais do um número no caderno de chamada. As burocracias que operamos devem ser apenas um meio para a nossa atividade principal: a humanização.
Sim, a humanização é tarefa prioritária da educação. Não estou tratando aqui de treinamento, capacitação ou coisa do gênero, mas de educação, de uma prática cultural e que, portanto, nos torna gente. Gente que convive com outras gentes, que se reconhece, que briga, que chora, que sente raiva, que tem vontade de ir embora, mas que volta.
Ao tratar da humanização, não pensem que estou sendo muito romântico. Algum grau de idealismo penso ser indispensável a quem educa profissionalmente. Porém, minha perspectiva é a de quem enxerga em minha profissão um lugar social fundante do que entendemos por civilização. É o exercício diário da diversidade, da tensão, do erro, da escuta, da compreensão e da capacidade de sonhar. Sim, o sonho não como delírio, mas como projeto, como um vir a ser, mas que, reparem bem, que contém algo que já é, portanto, uma realidade.
Trabalhamos com gentes que são e podem ser sempre mais. Não esperem da escola apenas formar pessoas para o mercado de trabalho e para ganhar dinheiro. Isso é parte, mas não é objetivo da educação, até porque a estrutura social que vivemos não garante trabalho digno para todas as pessoas. Por isso, a consciência de nosso lugar social cumpre um papel decisivo, tanto para quem ensina, como para quem aprende.
Mas, qual é o lugar social de professoras e professores na atualidade? Não é uma pergunta de resposta simples, mas eu vou provocar a quem está lendo. Pense um pouco e me diga:
- Tu achas importante que as crianças e jovens tenham bons professores e boas professoras na escola?
- Tu achas relevante que pessoas dediquem suas vidas à pesquisa e à construção de novos conhecimentos?
- Tu acreditas que por boas escolas e universidades passa o desenvolvimento do país?
Se respondestes “sim” aos simples questionamentos acima, te convido a pensar um pouco mais e responder as questões a seguir. Por outro lado, se tuas respostas foram não, sugiro que até pare a leitura por aqui, ou que a conclua apenas por mera curiosidade. Vamos às perguntas:
- Tu gostarias que teu filho ou tua filha fosse professor(a), apoiando sua formação em curso de magistério ou licenciatura, inclusive pós-graduação?
- Tu achas justas e necessárias as greves de professores(as), tendo em vista reinvindicações de melhores condições salariais e de carreira?
- Durante esse contexto da Pandemia de Covid-19, tu acreditas que professores(as) ficaram em casa “recebendo salário sem trabalhar”?
- Tu sabes que moramos em um dos Estados brasileiros que pior remunera professores(as), congelando, parcelando e não reconhecendo devidamente direitos de carreira?
Pois é, a questão desse segundo bloco é examinar o nível de compreensão que tu tens do lugar social de quem ensina teus filhos e filhas. Sem isso, cumprimentar um(a) professor(a) hoje é quase cinismo. Está passando do momento de valorizar devidamente essa categoria profissional e avançarmos em relação ao paradoxo de queremos bons docentes e boas escolas, mas não apoiarmos quem a isso se dedica. E o pior: desprezarmos quem “só estuda” ou “só dá aula”, como se uma formação de muitos anos não significasse nada.
Pensar sobre o que pensamos é um exercício relevante e revelador da consciência social que temos. Assim como não me cabe te julgar pelo que pensas, observo que talvez te caiba respeitar e entender a minha profissão. A própria leitura desse texto só está sendo possível porque tu foste à escola e teve, possivelmente, uma professora. Sim, a mesma profissional que algumas pessoas grosseiramente chamam de “vagabunda” quando luta por seus direitos, de “comunista” por querer uma sociedade menos desigual e de “parasita” quando transformou sua casa em sala de aula, pagou do seu bolso a internet, a luz e os equipamentos, e precisou aprender e se adaptar para “só” dar aulas remotas.
Que tenhamos o melhor possível dia dos(as) professores(as) de todos os dias.
*Por Thiago Ingrassia Pereira
Sociólogo, Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio de Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Professor e Pesquisador na graduação e pós-graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) Campus Erechim