Mulheres pesquisadoras questionam estereótipos e buscam equidade na carreira acadêmica

Dados apresentam possibilidades de investigações e discussões urgentes para a superação de preconceitos

A presença das mulheres nos bancos universitários está em crescimento. Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim, 60% do corpo discente dos cursos de Graduação é composto por pessoas do sexo feminino e, nos cursos de Pós-Graduação, esta porcentagem é de 73,4%. No corpo docente, 43,2% é de pessoas do sexo feminino. No âmbito geral, porém, as pesquisadoras apontam para a necessidade de mudanças capazes de garantir a equidade sob pontos de vista variados, mas que têm como contexto barreiras socioculturais bastante conhecidas.

Segundo o Censo da Educação Superior, o total de concluintes de cursos de Graduação presenciais e a distância, em 2018, foi de 1.264.288 pessoas. Conforme a professora Paula Lindo, para ter noção do que significa este número, é preciso considerar que a estimativa populacional no Brasil neste mesmo ano era de 208.494.900 habitantes – ou seja, 0,60% da população concluiu algum curso de Graduação em 2018. “Deste montante, 764.960 eram mulheres e 499.328 homens, portanto, 60,5% de concluintes eram mulheres. Um ponto que ajuda a compreender esta diferença está diretamente vinculado ao acesso ao mercado de trabalho”, diz a docente da UFFS, que é mestra e doutora em Geografia e pesquisadora sobre a temática de gêneros.

– No Brasil, mulheres precisam estudar e se qualificar mais que os homens para ter condições salariais equivalentes. É o que demonstra o relatório “Education at a Glance”, elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e publicado em 2019. O acesso ao Ensino Superior tem impacto significativo na vida das mulheres. O relatório aponta que na faixa dos 25 a 34 anos, 82% das mulheres com Ensino Superior estavam empregadas – percentual bem superior aos 63% das mulheres com Ensino Médio e 45% com até o Ensino Fundamental completo. Já para os homens, na mesma faixa etária, as taxas de emprego observadas foram de 89%, 84% e 76%, respectivamente – destaca Paula.

– O avanço da presença feminina no ambiente acadêmico é relevante, no entanto, vale a pena chamar atenção para algumas especificidades: quais os principais cursos frequentados por mulheres? Será que continua havendo uma concentração feminina nos cursos que representam majoritariamente uma atuação articulada ao magistério ou à atenção e ao cuidado de pessoas? Somos a maioria, representando de 52% a 77% do total de títulos nas áreas de Educação; Humanidades e Artes; Saúde; Ciências Sociais, Direito e Administração; e Serviços. E ainda somos minoria nos setores de Engenharia, Manufatura e Construção, Ciência e Agricultura. Por quê? – questiona.

A docente recorre ao sociólogo Pierre Bourdieu para refletir sobre o peso da “dominação masculina” na análise da presença feminina nas carreiras acadêmicas.

– A escolha do curso universitário, por exemplo, é quase sempre vinculada a profissões mais próximas da definição do que nossa sociedade designa de “atividades femininas”. Isso não é regra, mas ainda é muito forte. Outras questões urgentes são: quem são as mulheres das universidades? São mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres ribeirinhas, mulheres trans, mulheres em situação de vulnerabilidade social? Alguns estudos perceberam que as carreiras “mais masculinas” apresentam, proporcionalmente, mais estudantes brancos e amarelos, enquanto as carreiras ditas “mais femininas” têm uma presença maior de estudantes negras, pardas e indígenas. Estas questões abrem muitas possibilidades de investigações e discussões urgentes para superarmos preconceitos.

Outro dado que a professora destaca é a presença de mulheres na docência. Em 2018 eram 384.474 docentes de Ensino Superior em exercício – 206.885 homens e 177.589 mulheres.

– Sobre este universo também poderíamos dialogar sobre muitas diferenças. Além de docente, a maioria também é pesquisador ou pesquisadora. Estudos demonstram que metade das cientistas são mulheres. Contudo, já reparou qual é o perfil dos cientistas entrevistados nos meios de comunicação? A TV brasileira alimenta o discurso do universo científico masculino, branco e de meia idade. Isto ocorre porque nossa sociedade determina, em vários momentos, que mulheres possuem uma inteligência emocional e são mais dispersas, e que os homens são mais inteligentes em questões ligadas à razão instrumental lógica. Ou seja, a grande mídia reproduz um discurso que determina aspectos intelectuais como sendo biológicos e inatos, e, por isso, confere apenas aos homens a autoridade de dizer algo. Esta reflexão poderia explicar o porquê de os estudantes respeitarem e valorizarem mais os saberes de docentes homens.

Paula ainda aponta que a maternidade é outro aspecto negligenciado pelos ditames das instituições. Sua própria experiência é um exemplo.

– A maternidade sobreposta ao término do meu doutorado me proporcionou muitas dores e aprendizados. Senti a pressão relatada por muitas mulheres que vivenciam esta experiência: preconceito, falta de apoio das instituições de pesquisa e o fato de estar longe da rede de apoio familiar. Ter filha(o) em meio ao processo de pesquisa de TCC, mestrado ou doutorado é visto, por muitos, como uma insanidade – diz Paula.

– A questão é que a as instituições de ensino e pesquisa não estão preparadas para apoiar e receber cientistas e pesquisadoras que são mães, ou mesmo incluí-las nos editais e bolsas de fomento às pesquisas. Precisamos nos unir, nos ouvir e agir para que este processo não seja sofrível e individualizado. Na UFFS – Campus Erechim somos 125 docentes, 71 homens (56,8%) e 54 mulheres (43,2%). Nossa agenda de pesquisa busca mais informações para identificar quais diferenças nos impendem de alcançar a equidade entre gêneros. Quais cargos de gestão homens e mulheres ocupam? Por quê? Como a questão da maternidade influencia na produção acadêmica das pesquisadoras? É necessário pensar políticas de apoio e cuidado com as mães da universidade? Como resolvemos questões referentes à necessidade de estudantes-mães trazerem suas crianças pra aula? Quando vamos desenvolver estratégias para acolher as crianças? São questões para pensarmos nossos cotidianos e continuar aprendendo.

Áreas “masculinas”?

Quando o assunto é a presença da mulher em profissões estigmatizadas como “masculinas”, a batalha também é constante. Quem o diga a professora Paola Mendes Milanesi, engenheira agrônoma com mestrado e doutorado e pesquisadora na área de Fitopatologia.

– Ainda temos que evoluir, pois muitos são os que não reconhecem a força e a determinação que a mulher tem no trabalho. Vejo como uma questão de valorização, pois é evidente que, por mais que se faça, o trabalho da mulher não é aquele que será lembrado, mas sim o do homem. Por quê? Se ambos têm a mesma formação, se ambos são competentes, por que não valorizar também a mulher?

Paola afirma que sente um orgulho imenso em perceber que a participação feminina em cursos como o de Agronomia tem aumentado. O sentimento quanto à inserção das egressas em postos de trabalho é o mesmo.

– A Agronomia precisa de pessoas determinadas e dispostas a trabalhar, só que muitas vezes o campo pode ser visto como um ambiente hostil. Contudo, o conhecimento que isso proporciona é um diferencial e há sim mercado de trabalho para as mulheres. Vejo nossas ex-alunas atuando na assistência técnica ao agricultor, empreendendo na propriedade familiar, no gerenciamento de equipes em fazendas, em multinacionais ou ainda desenvolvendo pesquisas em alguns dos melhores programas de Pós-Graduação pelo Brasil afora. Além disso, há várias mulheres do agro que são web influencers, que defendem a presença feminina na agricultura brasileira.

Para as jovens que estão iniciando na carreira acadêmica ou que pensam em entrar em áreas enquadradas como “pouco femininas”, a docente da UFFS deixa o seu recado:

– Por maiores que sejam as dificuldades, espero que elas nunca se esqueçam de se valorizar, de não se menosprezar e de não permitir que ninguém faça isso. Na academia, muitas foram as mulheres que se destacaram. Aqui no Brasil mesmo, a pesquisadora Johanna Döbereiner, da Embrapa Agrobiologia, demonstrou a eficiência da fixação biológica do nitrogênio, um processo que permite que a soja obtenha seu próprio suprimento de nitrogênio. Foi uma descoberta extraordinária e que norteou o programa de melhoramento genético da soja, rendendo a ela uma indicação ao Prêmio Nobel.

Estereótipos e discriminação

Servidora técnico-administrativa na UFFS, Fabiula Catia Capeletto é bacharel em Direito e, em 2018, formou-se mestra Interdisciplinar em Ciências Humanas. Em sua dissertação, pesquisou a inserção da mulher em cargos de chefia na indústria metalmecânica de Erechim. Na análise, foi confirmada a existência de discriminação de gênero e a forma com que ela se apresenta – velada e explícita, possuindo relação com alguns aspectos da cultura local.

– Ficou evidenciado que comportamentos dos indivíduos influenciam na perpetuação dessa desigualdade – afirma Fabiula. – Outra barreira destacada está na dificuldade em conciliar a vida privada com a profissional, de modo que se observou, nas falas das mulheres entrevistadas, que elas se sentem responsáveis pelos cuidados com os afazeres domésticos e com os cuidados da família.

A pesquisadora acredita que é possível articular os dados observados na indústria com a experiência das mulheres em ambientes acadêmicos.

– Os valores socioculturais estão presentes em qualquer ambiente e influenciam nas relações entre homens e mulheres. Trabalhos enquadrados como “masculinos” ou “femininos”, atribuição de características próprias “femininas” ou “masculinas”, enfim, são estereótipos que corroboram para a desigualdade de gênero – diz a servidora da UFFS. – Se observarmos algumas áreas do conhecimento, como Ciência da Computação, Engenharias e Física, podemos perceber que a presença feminina ainda é baixa. As chances de ocorrer casos de machismo e preconceito são grandes, por isso acredito que as mulheres na pesquisa também enfrentam barreiras socioculturais para desempenhar seu trabalho.

Conforme Fabiula, os aspectos comportamentais e as atitudes dos indivíduos influenciam na perpetuação da desigualdade. Os valores praticados pelo indivíduo no modo de pensar e agir, que são oriundos da cultura em que ele está inserido e de como esse indivíduo foi educado na família, na escola e na sociedade em que vive, foram assimilados e reproduzidos tanto na indústria, no comércio ou na academia.

– Se esse indivíduo sofreu influência de uma cultura machista, certamente praticará valores machistas. A busca pelo fim da violência doméstica, por mais equidade salarial entre os sexos, por uma divisão igualitária dos afazeres domésticos e até mesmo por cargos de poder permanecem na pauta de luta feminina – finaliza.