Mudança na Lei dos Caminhoneiros encarece o frete: decisão do Supremo pode causar colapso do setor de cargas

Uma viagem de um caminhão pode aumentar em 40%, ou mais, o custo do transporte no Brasil.

Uma viagem de um caminhão, que dura dois dias, pode levar até quatro, e aumentar em 40%, ou mais, o custo do transporte no Brasil, a partir da mudança estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Lei dos Caminhoneiros, alerta o Sindicato das Empresas Transportadoras de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais (Sindtanque). Por 8 votos a 3, o STF julgou inconstitucional alguns dispositivos que tratam sobre a jornada de trabalho e descanso.

Com a decisão, ficou estabelecido que os trabalhadores deverão fazer, obrigatoriamente, 11 horas ininterruptas de descanso – com caminhão parado. Além disso, o tempo de espera de carga e descarga, que em alguns portos, por exemplo, pode levar até a 14 horas na fila, passa a ser considerado como horas de trabalho e, a cada seis dias, o motorista deverá usufruir do seu descanso semanal (35 horas).

“Vai cair como uma bomba no setor”, afirma Irani Gomes, presidente do Sindtanque. Ele explica que o impacto das novas regras deve ser na casa dos bilhões, levando ao aumento do frete, e, até mesmo, a um colapso viário.

Gomes também alerta que o País não oferece infraestrutura para que os caminhoneiros possam cumprir a regra do descanso devido à extensa malha rodoviária e a falta de investimentos públicos, principalmente, e privado. “Não tem lugar que comportaria tantos caminhões parados tanto tempo. Alguns [motoristas] estão parando à beira da estrada. Os postos já estão lotados e há custos, como abastecimento, alimentação, higiene. Vai ficar mais oneroso para o transporte”, explica. Alguns postos também cobram pelo estacionamento do caminhão.

Atualmente, os motoristas fazem o período de descanso revezando a direção com outro colega, uma medida para evitar a exaustão e prevenir acidentes. “A lei de 2015 já permitia esse descanso e era eficiente. A falta de fiscalização nas estradas que leva os motoristas a não respeitarem esta parada”, considera o presidente do Sindtanque.

Gomes explica que, com as novas regras, o tempo de entrega mais longo acende alertas sobre cargas perecíveis, por exemplo, e também ao risco de desabastecimento de combustível no País. Segundo ele, o transporte de biodiesel, que demanda viagens mais longas, como para Rondonópolis (MT), deve aumentar em até três dias a sua duração.

Isso leva a custos maiores com a diária do motorista, redução da produtividade e, claro, tempo de espera maior pela entrega, afetando contratos. “Um caminhão que dava seis viagens, vai dar três. Até as distribuidoras de combustíveis estão preocupadas. Quem está arbitrando, não tem conhecimento de transportes”, detalha Gomes.

O Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística (Setcemg) estima um impacto financeiro acima de 30% nos custos das empresas, especialmente nas despesas com folha de pagamento, jornada de trabalho, número de trabalhadores, equipamentos e insumos.

“As empresas de transportes rodoviário de cargas devem se preparar para reorganizar toda a sua operação logística, comercial e de recursos humanos, assim como promover o diálogo com o setor produtivo e comercial, visando melhorar as condições no transporte, no tempo de carga e descarga, no armazenamento (rotas, tempo de carregamento/descarregamento, etc.) e no aumento do valor do frete”, destacou a entidade em nota.

Diante de um impacto tão grande no setor de transporte, o presidente do Sindtanque afirma que a categoria já começou a se mobilizar em reuniões e busca o diálogo com o Ministério do Trabalho e toda a cadeia de governança. “Se não houver um recuo do mérito, pode vir a ter uma paralisação. A adesão dos caminhoneiros é grande. Já se teme uma greve como em 2018, quando o país ficou parado por 11 dias”, afirma.

 

Inflação

Atualmente, o modal rodoviário é responsável por mais de 60% de todo o transporte de tudo que é produzido e consumido no Brasil, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes. Com a mudança na Lei do Caminhoneiro, a queda da produtividade atual será de 25%, segundo o Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística (Setcemg), e será preciso aumentar o número de motoristas para dar conta de tamanha demanda.

“Vamos precisar de mais caminhões, mais funcionários. A gente não tem isso. Não temos nem estrada”, reclama Gladstone Lobato, proprietário da Transavante, que transporta insumos e produtos acabados de grandes grupos industriais em todo território nacional.

Segundo ele, as novas regras estabelecidas pelo STF mostram que “não dá para investir mais no país”, já que o custo operacional vai aumentar consideravelmente. “Com a decisão, vai aumentar o frete e o custo chegará à população. Nós já temos um problema com o óleo diesel: vai aumentar em R$ 0,15 o litro. O governo antecipou a cobrança parcial dos impostos para setembro, para financiar o programa de incentivo à venda de carros para a indústria automobilística”, diz Lobato.

O economista Diogo Santos, do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de MG (Ipead) da UFMG, explica que o frete é um custo importante do transporte de mercadorias. “No Brasil, que é um país essencialmente rodoviário, ele tem um impacto generalizado, assim como combustíveis e energia de modo geral na economia. Então, é possível afirmar que um aumento considerável, relevante e generalizado do frete no País vai ter um repasse nos custos das mercadorias transportadas”, explica.

Fonte: O Sul
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