A Justiça do Trabalho de Marau concedeu liminar determinando que a BRF S.A. adeque seus vestiários para garantir a privacidade dos trabalhadores durante a troca de uniformes. A decisão atende pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Ação Civil Pública (ACP) que denuncia violação sistemática ao direito constitucional à intimidade de 2.915 empregados das unidades de abate de aves e industrializados da empresa no município gaúcho.
A ACP foi ajuizada pelos procuradores do Trabalho Priscila Dibi Schvarcz, Alexandre Marin Ragagnin e Pedro Guimarães Vieira. Em inspeção realizada entre 10 e 14 de março de 2025 pelo MPT, em conjunto com a Secretaria de Inspeção do Trabalho e outros órgãos, constatou-se que os trabalhadores são obrigados a se despir em área comum, formando filas em trajes íntimos para receber uniformes higienizados.
“Os trabalhadores permanecem despidos em fila ou são obrigados a utilizar uma roupa pessoal por baixo para preservação da intimidade. Além disso, mesmo quando conseguem manter o uso de roupas embaixo do uniforme, os trabalhadores são compelidos a trocar a roupa em frente aos demais colegas e supervisores que permanecem no local, uma vez que para o trabalho utilizam roupa diversa daquela utilizada para deslocamento de sua residência”, descreve o documento. Nos setores com exposição ao calor, o uso de roupas adicionais torna-se impraticável devido ao mal-estar causado pela temperatura.
A equipe de fiscalização documentou situações particularmente constrangedoras, incluindo uma trabalhadora portadora de bolsa de colostomia que teve sua condição médica exposta durante o procedimento de troca de uniformes, e outra funcionária com cicatriz cirúrgica que precisou alterar sua vestimenta íntima para tentar preservar alguma privacidade.
As fotografias anexadas ao processo, autorizadas pelos próprios trabalhadores, comprovam as condições degradantes a que são submetidos diariamente nas duas unidades da empresa, que processam 400 toneladas de frango e 350 toneladas de produtos industrializados por dia.
O juiz do Trabalho Substituto Vinicius de Paula Löblein determinou que a BRF tem 120 dias para:
• Adequar os vestiários com instalação de cabines individuais ou divisórias que impeçam a visualização dos trabalhadores por terceiros
• Implantar novo sistema de entrega e devolução de uniformes que preserve a intimidade dos funcionários, suspendendo qualquer procedimento que obrigue trabalhadores a permanecerem despidos ou em trajes íntimos em área coletiva.
O descumprimento das determinações acarretará multa de R$ 50 mil por obrigação descumprida, além de R$ 2 mil por trabalhador prejudicado.
Além das adequações, o MPT pede indenização por dano moral coletivo de R$ 5 milhões, valor que representa 0,035% do capital social da empresa (R$ 13,6 bilhões) e 0,135% do lucro líquido de R$ 3,7 bilhões obtido em 2024. O mérito da ACP ainda aguarda apreciação pela Justiça do Trabalho.
“A prática não se caracteriza como evento isolado, mas como rotina empresarial institucionalizada de desrespeito à dignidade humana”, argumenta o MPT na ação. A empresa reportou lucro recorde de R$ 868 milhões no quarto trimestre de 2024, com alta de 15% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Esta não é a primeira vez que a BRF enfrenta autuações por práticas semelhantes. A empresa já foi autuada por violações à intimidade dos trabalhadores em suas unidades de Dourados (MS) e Várzea Grande (MT), onde foram identificadas situações análogas de exposição dos funcionários durante procedimentos de higienização.
Por MPT/RS