Prioritária no governo de Jair Bolsonaro, a implementação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) deve ser descontinuada a partir de 2023, com a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo integrantes da equipe de transição na área da educação, existe um consenso entre especialistas de que o incentivo federal a esse modelo não será mantido. As instituições que já aderiram ao formato, contudo, terão autonomia para mantê-lo — e deve ser o que acontecerá em redes gaúchas.
Em maio do ano passado, o prefeito Sebastião Melo chegou a indicar a Escola Leocádia Felizardo Prestes, no bairro Cavalhada, para receber o programa, mas a ideia não foi para frente. O motivo, segundo a pasta, foi a falta de viabilidade técnica. A meta era que outras sete escolas cívico-militares fossem implantadas na rede até 2024, mas, por enquanto, não há previsão de que isso ocorra.
A expectativa da rede municipal da Capital é de que a primeira instituição nesse modelo já inaugure o novo formato no início do ano letivo de 2023. Há, porém, um impeditivo: no mês passado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acatou uma ação movida contra o governo do Estado pelo Cpers, sindicato que representa os professores da rede estadual, e suspendeu a implementação de novas instituições cívico-militares em todo o Rio Grande do Sul.
Na decisão em segunda instância, o desembargador Ricardo Pippi Schmidt justificou que o programa fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Lei Estadual 10.576/95, que delegam a professores a gestão do dia a dia escolar. Sobre a sentença, a Casa Civil gaúcha informou que o governo se manifestará nos autos dentro do prazo legal, que, para o Estado, ainda não está em curso.
Por enquanto, o Rio Grande do Sul conta com 43 escolas desse modelo — 25 cadastradas no Pecim e 18 em um programa estadual inspirado no nacional. Levantamento realizado pelo Cpers em abril apontava o RS como o Estado com mais escolas que aderiram ao programa de incentivo federal. Na época, 14 instituições de ensino tinham confirmado a adesão no Pecim, sendo seis estaduais e sete municipais.
No Brasil, conforme o Ministério da Educação (MEC), há 209 instituições cívico-militares funcionando e outras 14 estão em processo de implantação. Ainda que a equipe de transição do governo federal sinalize em direção ao fim do Pecim, em nota, o MEC informou que todos os decretos e portarias que o instituem estão em vigor e que não há nenhum comunicado ou orientação oficial sobre alguma mudança nesse sentido.
Com o Pecim vigente, as Secretarias Estaduais de Educação recebem recursos federais para adequação de espaços, contratação de monitores — policiais e bombeiros militares na reserva — e aquisição de fardas para os estudantes, entrando apenas com uma contrapartida. Sem o programa nacional, as redes dos Estados e municípios precisariam assumir integralmente essas despesas. Procurado, o governo do Rio Grande do Sul informou que, caso sejam suspensos os incentivos federais, o impacto precisará passar por uma análise de sustentabilidade. Em 2020 e 2021, R$ 7 milhões foram repassados a escolas gaúchas por meio do programa.
O que são as escolas cívico-militares
A primeira coisa a se saber sobre as escolas cívico-militares é que elas não têm nada a ver com as escolas militares, como o Colégio Militar de Porto Alegre, localizado no bairro Bom Fim. Uma das principais diferenças é que as instituições de ensino 100% militares recebem recursos do Ministério da Defesa, e não do Ministério da Educação. O resultado é que o valor investido por aluno é muito diferente em cada um dos modelos de escola.
De acordo com Aline Cunha, que é professora associada e vice-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o investimento mínimo em um estudante é de em torno de R$ 3,2 mil em uma escola pública brasileira, enquanto nos colégios militares esse valor sobe para R$ 19 mil.
— Inicialmente, a proposta do atual presidente (Bolsonaro) era implementar 16 colégios militares em capitais que não tinham essa instituição, que está no imaginário social, com toda a sua qualidade de ensino. Mas isso não ocorreu, e nem o alto investimento previsto, de R$ 320 milhões por ano. No entanto, não se explicitou para a população a diferença entre o modelo proposto e o implementado — destaca Aline.
Pesquisadora sobre a militarização da educação, Iana Gomes de Lima, que é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRGS, destaca que outra diferença importante entre a escola pública regular e os colégios militares é que, na escola pública, não é necessário passar por um processo seletivo difícil para ingressar. Com isso, é natural que os estudantes aprovados acabem se saindo melhor nas avaliações.
— O programa é muito calcado nessa ideia de que as escolas cívico-militares terão a qualidade dos colégios militares, mas a gente sabe que isso é totalmente falso, porque a gente está falando de escolas públicas que são plurais, pra todos e pra todas, e que vão seguir tendo um investimento muito pequeno. O próprio salário dos professores de colégios militares é muito maior do que o de docentes de escolas públicas — defende Iana.
Para aderir ao Pecim, a escola precisa estar em áreas com situação de vulnerabilidade social e com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Também precisa oferecer os Anos Finais do Ensino Fundamental e/ou o Ensino Médio, preferencialmente atender de 500 a mil estudantes nos dois turnos e contar com a aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo.