Sobre o futebol, o uruguaio Eduardo Galeano escreveu: “ninguém ganha nada com essa loucura que faz com que o homem seja menino por um momento, jogando como o menino que brinca com o balão de gás e como o gato brinca com o novelo de lã”[1]. Jogar bola é diferente se der jogador de futebol. Meninas e meninos se divertem jogando bola, mas ser profissional é, também, ter responsabilidades e disciplinas, é ser um(a) trabalhador(a).
Em Erechim, se joga futebol profissional masculino no Ypiranga Futebol Clube, fundado no dia 18 de agosto de 1924, portanto, já inscrito na prateleira dos clubes centenários do futebol brasileiro. A rica história do clube[2] é motivo de orgulho dos(as) erechinenses, tendo no seu imponente estádio Olímpico Colosso da Lagoa[3] a sua mais genuína expressão. Cerca de 20% da população de Erechim poderia se encontrar para tomar um mate no estádio. Ou comer uma bergamota.
O Ypiranga, como quase todos os clubes de futebol do interior do país, se organiza pelo trabalho abnegado de pessoas, alguns bravos patrocinadores e apoio do poder público. O futebol é espetáculo, é entretenimento, mas, é igualmente um negócio, exigindo gestão de resultados. E exigindo dinheiro, o que, sabemos, nem sempre é simples. Quase nunca é. Muitos(as) profissionais vivem do futebol, direta ou indiretamente. Na maioria das vezes, um clube de futebol não tem um(a) único(a) dono(a), por mais que estejamos vivendo a época dos clubes-empresa[4] (SAF – Sociedade Anônima do Futebol[5]).
Assim, o que hoje o Ypiranga representa de forma solitária, já foi, há mais de 40 anos, compartilhado com o Atlântico Futebol Clube, ou seja, o clube da cidade. O clube da região do Alto Uruguai. Nas transmissões da Série C nacional ou da Copa do Brasil, o clube é o Ypiranga de Erechim. De Erechim. Bota Amarela. Camisa amarela. Clube do interior do Rio Grande do Sul, mas genuinamente brasileiro. Esse pertencimento é fruto desta história centenária, mas que está a exigir atenção por parte daqueles(as) que trabalham no clube, pois a torcida do Ypiranga é quem mesmo?
Além de sócios(as) e alguns/algumas simpatizantes, quem, de fato, é torcedor(a) do Ypiranga? O Colosso da Lagoa quase sempre vazio é um sintoma. Num estado grenalizado, torcer para o clube da cidade pode ser uma opção viável e de certo engajamento comunitário. Algumas pessoas fazem isso. Muitas, pelo contrário, viajam 800km para ver Grêmio ou Internacional em Porto Alegre e não caminham algumas quadras ou 5 minutos de carro para ver o Ypiranga. O sentimento de cada pessoa é subjetivo e deve ser respeitado. Mas, podemos perguntar: quem seguirá junto com o Ypiranga pelos próximos 100 anos? Ou ainda: se o Ypiranga deixasse de existir, que falta ele faria? Para quem faria?
Mas o concreto é que o Ypiranga existe. Existe como lazer, entretenimento, trabalho e sonhos. Muitos garotos, pois o clube não tem futebol de mulheres[6], sonham em se profissionalizar. É bonito passar pelos campos suplementares atrás do estádio e ver a meninada fardada correndo atrás da bola. Muitos ali não vão seguir a carreira de jogador, mas todos estão praticando um esporte, cuidando de sua saúde e, sobretudo, aprendendo valores como disciplina, trabalho em grupo e respeito. Por isso, se fala com razão que o esporte também é um instrumento de formação cidadã. Por isso, o esporte também é um espaço educativo, contando com apoio estatal. Quem dera que todos os meninos que sonham em serem jogadores marcassem muitos gols na vida em geral. Claro, se forem goleiros[7], bem que poderiam impedir tanto gol contra que anda por aí.
Entre aspas
Tive a satisfação de conviver neste meus quase 15 anos em Erechim com muitos ypiranguistas. Quero, sem desmerecer outros tantos, destacar dois símbolos dessa paixão pelo canarinho, mesmo que com certos “deslizes” com times da capital algumas vezes.
Pensar no Ypiranga me remete muito ao meu colega de UFFS, Werner Schwedersky. Sempre com sua fala mansa, é presença constante nas cadeiras brancas do Colosso da Lagoa. Outra figura sempre por ali é o Fábio Adamczuk, geralmente com uma camisa antiga do clube. Nestas duas figuras, deixo meu respeito a todo mundo que faz do Ypiranga esse clube centenário que leva Erechim para onde quer que vá.
Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Erechim
Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
[1] GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2004, p. 10.
[2] https://www.yfc.com.br/historia-do-clube/
[3] Ver a dissertação de Luciano Breitkreitz, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UPF, intitulada “À sombra do Colosso da Lagoa: uma história de futebol em Erechim”, disponível em: http://tede.upf.br/jspui/handle/tede/178
[4] Ver https://universidadedofutebol.com.br/2009/10/23/o-conceito-de-clube-empresa-pelo-mundo/
[5] Vide a Lei da SAF no Brasil: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14193.htm
[6] Sobre o futebol de mulheres em Erechim, sugiro a leitura do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Licenciatura em Ciências Sociais da UFFS de autoria de Josiane da Silva. Intitulado “Futebol de mulheres em Erechim: um estudo sobre (in)visibilidade e os limites da profissionalização”, tem acesso livre em: https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/1840
[7] Sugiro um belo romance sobre esta posição: SÁ, Xico. A falta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2022.