Fórum na AMRIGS debate impactos da emergência climática na saúde global

Evento reuniu especialistas do Brasil e do exterior para debater Saúde Planetária, conceito que integra a nova edição da revista científica da Associação

Em meio ao crescimento dos eventos climáticos extremos e suas consequências cada vez mais visíveis na saúde da população mundial, a Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS) realizou nesta sexta-feira, 25 de abril, o Fórum de Saúde Planetária: Emergência Climática e Saúde. O encontro foi realizado no teatro da AMRIGS, em Porto Alegre foi voltado a profissionais da área da saúde e da pesquisa, trazendo ao centro do debate a conexão entre a crise ambiental e seus efeitos diretos na Medicina e na vida humana.

A iniciativa está vinculada à primeira edição da Trends in Health Sciences, nova publicação científica lançada pela AMRIGS, que traz como tema central a Saúde Planetária. A proposta do evento foi apresentar os artigos publicados, escritos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, para refletir sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde coletiva.

“Optamos por fazer esse fórum quase um ano após o evento extremo da enchente de 2024, justamente como uma contribuição da ciência para entender o fenômeno que vivemos. Nosso objetivo é reunir dados e experiências para compreender melhor o que está acontecendo com a saúde das pessoas e com o planeta”, afirma o editor-chefe da Trends, o médico Flávio Milman Shansis.

 

Programação

Emergência da Saúde Climática, Humana e Planetária

A primeira apresentação feita por Airton Stein, médico de Família e Comunidade do Grupo Hospitalar Conceição e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), mostrou os efeitos das mudanças climáticas na saúde local e global.

“Os países com maior responsabilidade histórica provavelmente serão os menos afetados por suas consequências. Esse é o grande paradoxo que estamos enfrentando. Episódios como o do Rio Grande do Sul deixaram claro que vivemos uma situação de iniquidade e injustiça climática, ou seja, desigualdades sociais e econômicas fazem com que os grupos mais pobres e vulneráveis sejam os mais impactados”, afirmou.

O Grupo Saúde Planetária Brasil foi apresentado na sequência pelo convidado Mauro Saraiva, alertando para importância do combate aos problemas ambientais. Após, Dra. Raquel Santiago, coordenadora do Hub Latinoamericano da Planetary Health Alliance, detalhou o trabalho da instituição na consolidação de um grupo de embaixadores da América Latina.

“Organizamos grupos temáticos de trabalho, mas sempre com uma lógica colaborativa, unindo esforços em diferentes áreas do conhecimento para buscar soluções integradas”, explicou.

Enrique de Barros, médico de Família e Comunidade da Serra Gaúcha, pesquisador com atuação nacional e internacional, e um dos nomes brasileiros à frente do relatório da Lancet Countdown on Health and Climate Change, foi enfático na importância de tratar as questões ambientais com máxima urgência.

“Em atendimento médico em 2023 avisei que aquilo iria acontecer de novo. Um ano depois, enfrentamos uma situação ainda pior. Infelizmente, a expectativa de que essa catástrofe se repetirá em 20 anos provavelmente está errada. Ela pode acontecer muito antes, porque a frequência desses eventos está aumentando”, relatou.

A Profª. Tatiana Camargo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora dedicada às conexões entre mudanças climáticas, chamou a atenção para formação de profissionais da área da saúde especializados nesta temática.

“Há quase cinco anos atuo como Educational Fellow na Planetary Health Alliance e, nesse período, observei uma expansão significativa dessas ações ao redor do mundo. Um exemplo marcante é o Global Consortium on Climate and Health Education, da Universidade de Columbia, que segue sendo uma referência importante, mesmo quando o termo ‘saúde planetária’ ainda não era amplamente adotado”, declarou.

 

Mudanças climáticas e saúde

No segundo painel, a Dra. Lis Leão, pesquisadora sênior do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, lembrou que a questão climática é global, envolve a todos, e que “especialmente os profissionais de saúde precisam entender que estamos diante de transformações que vão desde mudanças pessoais até reestruturações profundas nos serviços em que atuamos”.

Na sequência, Dr. Carlos Dora, médico com mais de 25 anos de experiência internacional em instituições como a Organização Mundial da Saúde, Banco Mundial e Universidade Columbia, falou do papel dos governos na redução dos riscos climáticos através de políticas públicas integradas.

“Os riscos relacionados ao clima estão diretamente ligados a investimentos e decisões em políticas públicas, que envolvem diversas áreas estratégicas. Atualmente, trabalhamos com seis temas principais: transporte, habitação, planejamento territorial, gestão de resíduos, alimentação e energia. Essas áreas estão, em grande parte, sob responsabilidade dos governos estaduais, que têm o poder de definir leis, planos e estratégias”, afirmou.

Os presentes também acompanharam a fala de Dr. Christian Haag Kristensen, psicólogo clínico, doutor em Psicologia, professor e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da PUCRS.

“As mudanças climáticas afetam a saúde mental de diferentes maneiras. Há trajetórias mais indiretas, como secas prolongadas que geram tensões econômicas e acabam provocando migrações forçadas, com impactos psicossociais. No entanto, nosso foco atual está mais voltado à exposição direta a eventos climáticos extremos e seus efeitos imediatos sobre o bem-estar psicológico das pessoas”, afirmou o especialista.

O bloco também contou com apresentação online de Andy Haines, professor de Mudanças Ambientais e Saúde Pública da London School of Hygiene and Tropical Medicine. Ele reforçou, através de estatísticas, que as emissões de gases de efeito estufa estão concentradas em economias emergentes e de alta renda.

 

Rio Grande do Sul: lições aprendidas da enchente de 2024

O bloco seguinte foi aberto com a fala de Luiza Cunha, especialista em Logística e Operações Humanitárias, detalhando o trabalho desenvolvido pelo Observatório de Clima e Saúde.

“As mudanças climáticas não são consequências imediatas, mas de um século de intervenções no meio ambiente”, salientou.

Dr. Rualdo Menegat, professor e geólogo, destacou a complexidade de compreender o assunto sob diferentes perspectivas.

“A questão climática é uma das mais difíceis de ser analisada, tanto do ponto de vista científico quanto cultural. Isso porque a tendência é enxergar o clima como algo geograficamente localizado — o clima quente do Saara, o clima tropical da Amazônia e das florestas, ou os fenômenos frios nas regiões de grande altitude ou nas zonas polares. Porém quando falamos de mudança no clima, é algo mais global. Ela é uma enorme ameaça, mas conseguimos reduzir os impactos no lugar onde vivemos. Essa é a grande lição”, disse.

A médica oncologista Alice Zelmanowicz, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital de Clínicas da capital gaúcha, relembrou operações importantes de resgate dos desabrigados na enchente de 2024 e destacou o papel ativo da universidade e a importância da atuação integrada com o poder público.

“Vivenciamos uma experiência marcante na área da saúde, que nos tirou da rotina universitária e nos levou para as ruas em uma ação de extensão. Foi nesse movimento que refletimos sobre o que aprendemos como instituição. Para mim, essa foi uma lição essencial: independentemente de sermos de instituições públicas ou privadas, somos força de trabalho qualificada e devemos estar a serviço de quem está coordenando e tem a visão completa da situação naquele momento” afirmou.

A solidariedade também chamou a atenção de todos positivamente.

“A gestão do caos garantiu que menos pessoas morressem ou agravassem suas situações. Roupas e alimentos se multiplicaram e isso, sem dúvida, foi fundamental”, finalizou.

Yasna Karina Palmeiro, do Chile, apresentou em vídeo seu parecer, destacando secas e inundações em várias partes do mundo e temperaturas de quase 52 graus no México. Ela ressaltou os impactos especialmente em idosos e bebês, além da ampliação de doenças relacionadas, como a dengue.

 

Impactos da Mudança Climática na Saúde Mental

Os efeitos das mudanças climáticas na área da saúde mental foi o tema do fechamento do evento. O espaço contou com as manifestações da Dra. Olga Falceto, psiquiatra da Infância e Adolescência, terapeuta familiar e referência na área; e de Ana Sfoggia, psiquiatra, professora da Escola de Medicina da PUCRS e coordenadora do Programa de Global Health da instituição. Na ocasião, foram apresentados trabalhos desenvolvidos junto à geração de jovens para avaliação do sentimento de ansiedade relacionado ao clima e em gerações mais velhas que são as que vivenciam os fatores causadores do cenário atual.

 

Trends in Health Sciences – Publicação Científica AMRIGS

A publicação lançada na quinta-feira, 24 de abril, é voltada a estudiosos de diferentes campos da Saúde, profissionais da Medicina e também a leitores em geral com interesse em temas científicos. Em breve, será apresentado um novo portal, que reunirá mais detalhes e facilitará o acesso ao conteúdo. Dúvidas ou solicitações podem ser encaminhadas ao Núcleo Técnico-Científico pelo e-mail revista@amrigs.org.br ou via WhatsApp pelo número (51) 99331-7566.

 

Texto e foto: Marcelo Matusiak