Entre a apatia e a indiferença

A regra básica para quem escreve é buscar ser compreendido por seus leitores, assim deve-se evitar a linguagem rebuscada e o palavreado difícil, detalhe que eu por vezes repetidamente esqueço, pois, a maioria se esqueceu da utilidade dos dicionários, que se tornaram objetos de museu. Os textos escritos estão sendo mortos crescentemente pela invasão de milhões de imagens que circulam por meio das mensagens prontas a serem digeridas sem muito esforço intelectual e veiculadas pelos smartphones e ipads.

Por outro lado, a escrita (a que sobrou) tem a obrigação de trazer alguma coisa nova, algum tipo de reflexão, uma nova roupagem na arte de contar histórias ou fatos. Quem escreve deve ser uma espécie de amolador de facas, que busca, ainda que inconscientemente, tornar cortante e maleável a dureza das palavras que estão sendo aleijadas por siglas e abreviaturas.

Na outra banda estão aqueles que dão um novo sentido às palavras, as transformam em conceitos (cada vez mais relativizados e difíceis de serem capturados) e usados para dar nome e explicar a realidade presente. O sociólogo Zigmunt Bauman, é um bom exemplo disso, resgatou o termo “interregno” que fora usado para indicar e nomear o período de vacância de um imperador ou papa até a entronização do novo.

Modernamente, a palavra “interregno” foi utilizada por Bauman para enfatizar as transformações das formas de como aprendemos a lidar com os desafios da realidade, contudo, e ao mesmo tempo, revela que elas não funcionam mais. Segundo o sociólogo, essa deficiência está refletida de forma inequívoca nas instituições de ação coletiva (sindicatos, associações, organizações da sociedade em geral), no sistema político, no sistema partidário, no sistema de ensino, na forma de organizar a própria vida e nas relações com as outras pessoas.

Dessa forma, quase tudo que foi duramente aprendido para viver e sobreviver no mundo até agora, não funciona mais, ou está funcionando muito mal. E o mais assustador disso tudo é que ainda não temos quase nada para colocar no lugar daquilo que está velho ou em frangalhos em uma velocidade adequada às necessidades das transformações.

O grande escritor norte-americano Alvin Toffler em grande parte de sua obra se referia à metáfora do “trem do tempo” discorrendo sobre a velocidade dessincronizada das instituições e da sociedade. Afirma que a cem quilômetros por hora está o rápido mundo dos negócios, a sociedade civil anda a noventa, a família move-se a sessenta; os sindicatos vão tropeçando a trinta quilômetros por hora; o governo a vinte e cinco; as escolas atônicas a dez; as agências nacionais ou os partidos políticos, quase parando a três quilômetros por hora e, por fim, as leis, a passo de tartaruga, movem-se a um quilômetro por hora.

Significa que as instituições que foram criadas e por vezes glorificadas ficaram mais velhas do que o tempo em que estão vivendo. Esse é o ônus do exercício da liberdade e da democracia cuja premissa fundamental é a possibilidade de produzir direitos, por vezes difíceis de serem alcançadas. Talvez a ideia de democracia faça muito mais sentido para os bem-nascidos, escolados e brancos, mas que para a maioria do povo fora desses critérios são interpretados e traduzidos como sinônimos de alguma garantia de conseguir um trabalho digno e ganhar algum dinheiro para por a comida de todo o dia na mesa da família, a possibilidade de existir em segurança e respeito e o acesso a um teto protetor sob a cabeça.

Contudo, estamos no limbo da desesperança e da apatia sobre qual direção seguir. Além disso, desapareceram os grandes líderes que chamavam para si a responsabilidade do que poderia ser feito e indicavam o melhor caminho. Talvez essa opção tenha sido um erro histórico e produziu um povo dependente, crédulo, ingênuo e infantilizado, na medida em que a prudência ensina que não se deve depositar incondicionalmente o destino da vida nas mãos de outrem nem sempre respeitoso e comprometido em devotar o zelo e o cuidado merecido.

Mário Quintana, acreditava que o futuro é a arte de “Abrir caixas, cestas e pacotes aos poucos é mergulhar na fantasia… A vida e o futuro são essas caixas que vamos abrindo a cada dia, sem saber o que há lá dentro, sorriso ou frustração”. O passado quando muito diz de onde viemos, explica pouco o que está acontecendo no presente e torna a previsão do futuro em apenas um tosco treinamento para aprendizes de adivinhos.

Contudo, o esforço deve ser dirigido para “entender os tempos” e atentar para aquilo que é importante: Não há milagres, a mudança e a transformação necessita de trabalho árduo e cotidiano e uma boa dose de incômodos. Comecemos pelo mais simples, colocar as instituições públicas (Câmara de Vereadores, Prefeitura) sobre controles públicos, me parece inadmissível que uma cidade de mais de cem mil habitantes permita uma sessão do legislativo com apenas duas pessoas no plenário. E uma pergunta final: Não há nada que possa ser feito?

 

Por Eliziário Toledo