O Congresso fez, entre 2013 e 2022, 19 modificações em legislações relacionadas a eleições e partidos. O número representa que, nos últimos 10 anos, aproximadamente uma modificação foi realizada a cada seis meses.
16 alterações foram feitas um ano antes da data de alguma eleição — seja municipal ou nacional.
Pelo princípio de anualidade, uma mudança nas regras eleitorais só pode valer para as eleições seguintes se for aprovada um ano antes. Por esse motivo, muitas vezes, os parlamentares aprovam modificações às pressas.
Em 2017, por exemplo, a lei que criou o fundo eleitoral para financiamento de campanha foi sancionada em 6 de outubro — exatamente um ano antes do pleito de 2018, que ocorreu no dia 7 de outubro.
Agora, os parlamentares se preparam para uma nova reforma eleitoral. Desta vez, mais ampla e com alcance em toda a legislação partidária e eleitoral, revogando leis vigentes e unificando regras em uma única norma.
O texto já foi aprovado na Câmara em 2021, mas está parado no Senado em razão de críticas a pontos considerados polêmicos da proposta (entenda mais abaixo).
Para valer nas eleições de 2024, a reforma precisa ser aprovada pelo Senado e retornar à Câmara, também com aprovação, até outubro deste ano.
O relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI), tem trabalhado no parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Até agora, contudo, não há certeza por parte dos parlamentares se a aprovação em dois meses será possível.
Segundo líderes ouvidos pela reportagem, o projeto estava previsto para a agenda do Senado do segundo semestre deste ano e “está no radar”. Mas, até agora, as articulações sobre o tema não avançaram, o que pode dificultar a votação de um código tão complexo num curto prazo.
A expectativa é que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Alexandre de Moraes, receba Marcelo Castro na próxima semana para discutir a proposta.
Mudanças no passado
Algumas das mudanças que ocorreram nos últimos anos são apontadas por especialistas como positivas — como a que criminaliza a violência política contra mulheres e a que criou a possibilidade de partidos se unirem em federações partidárias, ambas de 2021.
Outras, contudo, são vistas como retrocessos. Por exemplo, a mudança na Lei dos Partidos que, em 2015, limitou a responsabilização civil e criminal de dirigentes partidários em caso de desaprovação de contas e ilícitos praticados pela sigla.
Com isso, a punição do dirigente passou a acontecer somente se for comprovada “conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido”.
O cientista político e diretor do Transparência Partidária, Marcelo Issa, avaliou que a mudança torna praticamente inalcançável a punição e cria “forte desestímulo à boa governança partidária”.
Também em 2015, o Congresso limitou a sanção para o partido que tenha as contas desaprovadas. Desde então, neste caso, a sigla é obrigada “exclusivamente” a devolver os valores irregulares, com uma multa máxima de 20% do valor.
Antes da alteração, havia a possibilidade de suspender repasses de cotas do fundo partidário e cancelar o registro do partido.
“Constatar que boa parte das propostas apresentadas ou das alterações realizadas flexibiliza regras e obrigações de partidos e candidatos, enfraquece mecanismos de controle ou suaviza sanções, é inevitável concluir que em grande medida o que motiva esse processo são interesses casuísticos orientados à perpetuação e expansão do poder de mandatários e dirigentes partidários”, afirma Issa.
Embora reconheça que as leis eleitorais e partidárias tenham de ser aprimoradas, devido às mudanças tecnológicas, por exemplo, o cientista político afirma que “desde a redemocratização, nunca realizamos duas eleições com as mesmas regras”.
“Alterações excessivamente frequentes podem criar insegurança jurídica e inclusive impedir até mesmo que se avaliem os efeitos de novas regras no médio prazo”, diz.
Luiz Gustavo de Andrade, secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep), avalia que, de 2021 até agora, o Senado conseguiu avançar no debate sobre o código.
“O decurso do tempo foi benéfico, pois permitiu que juristas, em sua maioria, concordassem com a necessidade das várias leis eleitorais precisarem ser consolidadas em um único documento, um código, que garantisse uniformidade e coerência, algo que não temos no cenário atual”, afirma.
O especialista destaca, contudo, que a demora para analisar a proposta da nova reforma deixou o texto desatualizado em alguns pontos — por exemplo, em relação às federações partidárias.
Para Andrade, seria positivo aproveitar o debate para tratar da responsabilização de plataformas digitais na veiculação de conteúdos ilegais, desinformação e matérias que causem instabilidade institucional.
“Em que pese o TSE tenha resolução sobre o tema e a Corte tenha sido rigorosa no combate às fake news nas últimas eleições, é muito mais pertinente que a regulamentação parta do legislador”, diz.
Nova reforma
Aprovado em setembro de 2021 pela Câmara, o Novo Código Eleitoral tem 898 artigos e quase 400 páginas.
Entre outras mudanças, o texto proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia do pleito e obriga institutos a informar o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
Essas alterações são vistas por especialistas como um cerceamento de informações para o eleitor. Analistas afirmam ainda que a proibição de divulgação de pesquisas de institutos confiáveis às vésperas das eleições pode estimular a circulação de números falsos, confundindo os eleitores.
Outras mudanças
- Pagamento de despesas com fundo partidário
O projeto lista uma série de despesas que podem ser pagas com recursos públicos do fundo partidário — como propagandas políticas, transporte aéreo e compra de bens móveis e imóveis.
O texto diz, ainda, que a verba pode ser usada em “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido político”. Isso, segundo especialistas, abre brecha para que qualquer tipo de despesa seja paga com o fundo — desde helicóptero a churrascos com cerveja.
- Prestação de contas por meio da Receita Federal
O projeto prevê que a apresentação dos documentos de prestação de contas dos partidos (arrecadação e despesas) deve ser feito por meio de sistema da Receita Federal.
Atualmente, o processo é realizado por ferramenta da Justiça Eleitoral. Técnicos afirmam que a mudança atrapalha as tabulações e os cruzamentos de dados feitos pela Justiça Eleitoral.
- Limite para multas
A proposta estabelece o teto de R$ 30 mil para multas a partidos por desaprovação de contas. Hoje, a legislação prevê que a multa será de até 20% do valor apontado como irregular, o que segundo especialistas pode chegar na casa dos milhões no acumulado.
Além disso, o projeto prevê que a devolução de recursos públicos usados irregularmente pelos partidos deve ocorrer somente “em caso de gravidade”.
- Contratação de empresas para auditorias de contas
A proposta aprovada pela Câmara permite que partidos contratem, com recursos do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas.
Isso, na visão de técnicos, “terceiriza” o trabalho da Justiça Eleitoral, que hoje faz o acompanhamento diretamente, sem intermediários.
- Punição por fake news
A proposta cria uma punição para quem divulgar ou compartilhar fatos “que sabe ou gravemente descontextualizados” com o objetivo de influenciar o eleitor. A pena, segundo a proposta, é de um a quatro anos e multa.
A pena pode ser aumentada, por exemplo, se o crime for cometido por meio da internet ou se for transmitido em tempo real; com uso de disparos de mensagem em massa; ou se for praticada para atingir a integridade das eleições para “promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”.
- Alteração no período de inelegibilidade
O projeto altera o período de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa – o prazo continua sendo de oito anos, mas começará a contar a partir da condenação e não mais após o cumprimento da pena.
Durante a votação dos destaques, os deputados incluíram dispositivo que torna inelegível, por oito anos, o mandatário que renunciar durante processo de cassação. Atualmente, o trecho já faz parte da Lei da Ficha Limpa, mas estava fora do Código.
- Crime de ‘caixa dois’
Também cria o crime de “caixa dois”, que consiste “doar, receber ou utilizar nas campanhas eleitorais, próprias ou de terceiros, para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros, em qualquer modalidade, fora das hipóteses e das exigências previstas em lei”.
A Justiça, no entanto, poderá deixar de aplicar pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas se referir a valores de origem lícita e não extrapolar limite legal definido para a doação e para os gastos.
Na avaliação do Transparência Partidária, o dispositivo que limita a atuação da Justiça Eleitoral a verificar a regularidade da origem e a destinação dos recursos também dificulta a fiscalização do “caixa dois”.
Por G1