Educar ou ensinar? A terceira margem do rio

Arnaldo Nogaro [1] 

 

É muito comum ouvirmos que a escola ensina e a família educa. Esta afirmação encontra adeptos em diferentes meios, inclusive no acadêmico. Confesso, gera em mim certa inquietude e preocupação quando ouço as pessoas fazerem esta afirmação, pois ela aparenta ser elementar e definitiva e como diz Zabala, educador espanhol, trata-se de um “histórico debate”. Minha pretensão com escrever sobre este tema, mais que qualquer outro intuito, não é resolver esta questão em definitivo, mas provocar a reflexão sobre o fazer e ser de duas entidades fundamentais na vida das pessoas: a família e a escola.

O objetivo é mostrar que questões importantes e profundas subjazem a este debate. Uma delas diz respeito às relações possíveis entre ensinar e educar. O que elas envolvem? É possível ensinar sem educar? É possível educar sem ensinar? O que o ensinar e o educar envolvem? No meio acadêmico os debates se acirram e se profundam em torno desta questão, pois teorias e epistemologias estão imbricadas. No imaginário popular são duas coisas distintas, que remetem a duas instituições onde cada uma possui suas atribuições e incumbências. Simples assim! Mas aqui surge a questão: que relações mantém entre si? Quando se trata da formação de pessoas podem existir de maneira independente, ser dissociadas?

Para tratar desta questão cabe precisar melhor o que se entende por ensinar e educar. Que sentido damos ao ensinar e ao educar? O nó górdio está aqui. Para que frequentamos a escola? O que devemos aprender nela? Qual a função da família? O que precisamos aprender nela? Se as duas instituições trabalhassem com objetivos comuns seus resultados seriam diferentes? Se estivessem em maior sinergia e sintonia diminuiriam os problemas que enfrentam na formação dos filhos e estudantes?

A formação de um ser humano e, vejam, que não estou falando de certificação, de diplomas, de títulos acadêmicos, mas de algo mais denso e profundo que remete a uma vida toda, ao preparo para o mundo do trabalho e também para ser alguém que saiba viver em sociedade, tenha discernimento, inclusive político, saiba fazer escolhas que o faça ser alguém realizado como pessoa humana.

Quando dizemos que a escola ensina e a família educa estabelecemos uma cisão ou propomos que a escola transmita conteúdos, cuide do cognitivo, propicie conhecimento e a família se preocupe com valores, comportamentos, modos de ser. É claro que a escola tem maior responsabilidade com a aquisição da cultura, com oportunizar o conhecimento científico, com a base epistemológica a ser formada no ser humano, mas ela também possui responsabilidade e atribuições no tocante aos valores, às atitudes, à consciência social e política, à conduta ética. Até mesmo porque muitas famílias não oportunizam isso aos filhos. Paralelo a isso, a família possui papel importante no “ensinar”, pois ela complementa o trabalho da escola quando acompanha os filhos, auxilia-os nas tarefas escolares, mantém vigilância se está acontecendo aprendizado ou não, mantém diálogo franco e aberto com a escola e se apresenta como interessada na formação da personalidade e no desenvolvimento da inteligência de seu filho.

As atribuições da escola hoje são diferentes de outros momentos históricos, assim como as da família mudaram. O conhecimento científico, universal não é mais peculiaridade da escola. Pode-se aprendê-lo fora dela e em casa também. Inclusive é recomendável que isso ocorra para que o estudante possa dar conta de tudo o que precisa aprender em uma sociedade cujas oportunidades pessoais e profissionais estão centradas nele. Formar o caráter está na alçada da escola e da “cidade educadora”. Por isso que se pode aceitar que as crenças do senso comum dissociem ensinar de educar, família da escola, mas, nós educadores, precisamos ter clareza das interfaces existentes entre elas e de que ao ensinar também se educa e ao educar também se ensina. São dicotomias que precisamos superar, como diz Nóvoa, educador português, precisamos pensar na terceira margem do rio. Somar esforços entre os agentes formadores: família e escola, agir com objetivos comuns se quisermos pensar em seres humanos melhores e uma sociedade mais humanizada.

[1] Doutor em Educação. Professor da URI.
Membro da Academia Erechinense de Letras