É hora das ferrovias

I

Enquanto escrevo a coluna desta semana, meu carro repousa na garagem. Incólume. Quieto. Sem gasolina.

II

Minha mãe chega do mercado e abastece a dispensa. Ao que parece, está pronta para a guerra (embora, há quem diga que já a perdemos… para a ganância, a corrupção e a falta de respeito com o próximo). De longe, enquanto sacolas são esvaziadas, vejo que bananas – aqui em casa – nãoirão faltar.

III

O fim de tarde de um sábadoquente (26 de maio) pede descanso, após dias de incertezas devido ao locaute – também chamado de greve dos caminhoneiros –queexpôs a dependência brasileira do transporte rodoviário de carga, responsável por cerca de 2/3 da circulação de produtos no país e 90% do transporte de pessoas, impactando o funcionamento de hospitais, prejudicando a produção rural, afundando pequenos negócios e, até, cerimônias casamentos.

IV

Ocorro-me, então, que há tempos o BV e a rádio Cultura vêm batendo na necessidade da retomada do transporte ferroviário no país, enquanto os mesmos políticos de sempre prometem, para este e outros temas vitais, soluções que nunca saem do papel – verdadeiras ‘fakenews’ eleitorais.

V

O fortalecimento do transporte via trilhos, num país que ainda depende da produção agrícola, seria o casamento perfeito da logística com as reais necessidades de quem produz e gera riquezas, corrigindo um ‘erro’ (calculado e lucrativo para muitos) quando, nas décadas de 1950 e 60, o trem foi traído em detrimento do $egmento rodoviário, by USA. Legítimo casamento por interesses. Resultado: hoje, as esquecidas ferrovias representam apenas 15% da estrutura de transportes no Brasil, conforme estudos da EAESP/FGV e do Ipea.

VI

Ora bolas, e aqui não tiro o mérito, muito menos a dignidade, o esforço e o direito dos caminhoneiros, mas a predominância do transporte rodoviário é mais poluente, deixa as empresas mais suscetíveis a roubos de carga, custa mais e leva a mais acidentes e mortes. Sem falar que, como estamos vendo, expõe o país, e seu desgoverno, ao caos absoluto.

VII

Soma-se a isso a pífia infraestrutura, o alto preço dos combustíveis e a falta de segurança nas estradas, e temos um frete caro. E temos a grave. E temos o país parado. Só não temos a ‘separação’ dos interesses do mercado com seu valioso ‘osso’, no caso, de piche.

VIII

A substituição gradual do transporte agrícola via estradas pelo sistema ferroviário representaria uma economia de 30%, devido a maior capacidade dos trens. Há, porém, um enrosco neste angu. A grande maioria (22 mil quilômetros de um total de 29 mil) das ferrovias brasileiras foi construída com bitola métrica, um método considerado ultrapassado e menos seguro.

IX

A substituição também acarretaria em uma economia de R$ 15,8 milhões ao ano em gastos com acidentes de trânsito (já que com menos caminhões circulando, o número de acidentes diminuem, como podemos ver).Além disso, na situação atual, o transporte rodoviário é responsável por 95% das emissões de gás carbônico (CO2), enquanto o ferroviário representa apenas 5%.

X

Diversos veículos de comunicação do país, e de fora dele, abordaram os benefícios das ferrovias sobre as rodovias. Eis um resumo deles:

  • Redução de conflitos urbanos (menos atropelamentos e menos congestionamentos dentro das cidades);
  • Redução de acidentes;
  • Aumento da capacidade de transporte (já que os vagões comportam mais carga que os caminhões);
  • Redução do custo de transporte ferroviário em relação ao atual, devido à maior eficiência operacional propiciada pelos investimentos;
  • Redução da emissão de poluentes devido à migração de cargas da rodovia para a ferrovia.

XI

Por fim – considerando que teremos eleições em outubro – é preciso avaliar o compromisso dos futuros candidatos com este tema vital para o país. É hora das ferrovias, por favor.

 

Você sabia?

  • Cerca de 90% do transporte ferroviário de carga no Brasil é dedicado a minério e grãos, restando apenas 10% para outros produtos. Por isso, praticamente todos os itens indispensáveis para o consumidor, incluindo alimentos e combustível, dependem do transporte por caminhões.

 

  • A Associação Brasileira de Logística calcula que o custo do combustível representa em média 30% no custo logístico de um produto que chega às prateleiras. Com os aumentos recentes no diesel, esse percentual superou os 40%.

 

  • Mesmo custando cinco vezes menos, o transporte ferroviário ainda é pouco utilizado no país, representando menos de 20% do setor de cargas, reflexo também da falta de investimento em novas linhas férreas. Até 2016, a malha ferroviária brasileira era de apenas 29.165 quilômetros de extensão, de acordo com o relatório da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

 

  • A malha rodoviária brasileira é de 1,7 milhão de quilômetros, mas desse total apenas 12,2% (210.618 de quilômetros) está pavimentado. Essa falta de infraestrutura é apontada como um dos principais fatores que encarecem o transporte de carga por rodovia no Brasil, afetando a depreciação do veículo, a sua manutenção e o desgaste dos pneus.

 

  • Outro fator que encarece o frete é a falta de segurança nas estradas. Um levantamento publicado no ano passado pelo JCC Cargo Watchlist, comitê britânico que monitora cargas no mundo, colocou o Brasil na 6ª colocação no ranking dos países mais perigosos para transporte de carga em rodovias. O país está atrás apenas de Iêmen, Líbia, Síria, Afeganistão e Sudão do Sul. Em média, o preço do seguro de um caminhão é responsável por 5% do valor do frete, mas esse valor pode chegar a 30% se a rota precisar de contratação de escolta armada.

 

  • Seis itens compõem o preço do diesel pago pelos caminhoneiros: venda do produto na refinaria (49%), biodiesel com frete e tributos (7%), impostos federais como Pis/Pasep, Cofins e Cide (14%), impostos estaduais como ICMS (14%), distribuição (5%) e margem de revenda (11%).

Por Salus Loch 

 

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