Uma amiga que não lembra mais que existo e que fomos parceiras por longa data. Sua memória me apagou não por seu desejo, mas porque problemas de saúde nos chegam com a idade e assaltam de esquecimento nossa memória que não nos permite mais lembrar de nossa relação com quem foi nosso amigo, o que muito lamento.
Essa amiga sempre repetia uma frase que guardei comigo, “Há dias de voar e dias de buraco”. Me parece que os seus dias de buraco se apresentam como irreversíveis. Muitos de nós entendemos perfeitamente o sentido desta frase, pois no viver nos encontramos por várias vezes em uma ou outra situação.
Entre voos e buracos seguimos a vida vivendo da melhor forma ambos os momentos. O fato é que nem sempre voaremos e nem sempre estaremos em buracos, oscilamos entre ambos o tempo todo.
Parece que voar seja uma experiência mais fácil de enfrentarmos. Voos são no geral leves, mas mesmo assim podem causar estranhamentos. Já os dias de buracos são difíceis de serem enfrentados, sobretudo por acharmos que não os venceremos. Há formas de sair dele, se desejarmos, puxando terra para fechá-los é uma delas, ou seja, fazendo movimentos, sem isso sucumbiremos.
Ouço o relato de uma mulher com sua vivência no buraco da depressão pós-parto há idos nos tempos que não sentia vontade de estar com seu bebê, o que sua mãe a ajudou e muito. Hoje reconhece que sua filha é mais apegada a sua mãe que a ela própria. Sentiu muita vontade de desistir de viver e seguir em frente, seu bebê também não era bem-vindo. Triste história de um buraco que ainda lhe causa dores e lágrimas. Feridas ainda não cicatrizadas.
Atualmente acredita que sua família não lhe apoia. Apoio idealizado nunca é da forma que pensamos, porque ele só existe dentro de nós mesmos, da nossa cabeça. Esse buraco dá a sensação de que não seremos capazes de enfrentar e dar conta da vida da forma que se apresenta. Deprimidos, com baixa estima acreditamos que os outros devem fazer esforços para nos tirar de dentro dos buracos, mas somos nós que temos que encontrar maneiras de sair deles.
Por vezes os buracos se agigantam e parecem nos engolir, choro, sono, falta de vontade, ausência de banho, apetite quase inexiste, escassa estima e escuridão se aproximam a afirmar que não podemos ter outro lugar que não o buraco e nele, por vezes, nos acomodamos. Parece ser um lugar que nos acolhe. Então, voar é coisa distante, pertence apenas aos outros que nos cercam ou mesmo que vivem no facebook a produzir vida feliz, com voos altos.
Saídas são possíveis e oriundas de dentro de nós. Seja procurando consultas de psicólogos e desabafando o que nos incomoda. Encontrando psiquiatra que nos medique a dor por um período, procurando a fé e conforto espiritual. Falando com um amigo e dizendo do que sentimos. Enfim, fazendo buscas das mais diversas, pois não há apenas uma forma de sair do buraco.
Até que um dia um movimento pequeno e permanente dá início ao movimento de saída e lentamente o buraco começa a diminuir e sem muito percebermos voltamos a tomar banho, a comer, a tomar um pouco de sol, o sono diminui e começamos a perceber que o buraco vai se distanciando e um voo raso se inicia novamente.
E voamos por lugares antes conhecidos e desconhecidos. E voltamos a acreditar em nosso voo, em nossa força interna antes adormecida. Talvez o desafio de nossas vidas seja o de conviver com a certeza que a vida não é apenas buracos, mas também não se reduz tão somente aos voos. É preciso lembrar que ao nos encontrarmos em buracos ter a crença que internamente encontraremos forças para vencê-los e quando estivermos voando é preciso humildade para saber que não somos eternos.
Por Maria Emília Bottini