Coração de Corali

Gosto muito de livros infantis, isso já vem de longa data. Minha madrinha enviava-me, pelo correio, livros infantis; eu os aguardava muito ansiosa; eles, por certo, foram meus primeiros amores. Os títulos hoje parecem soar demasiadamente pueris, mas como eu amava a Girafinha flor faz uma descoberta, A tartaruguinha infeliz, Onde está mamãe?

Cresci, mas os livros infantis ou infanto-juvenis, fazem parte da paixão que tenho por histórias.

Coração de Corali foi escrito por Eliane Ganem e ilustrado por Elvira Vigna, não lembro exatamente como chegou às minhas mãos, mas chegou e sou apaixonada por ele. Indico-o aos meus pacientes e o li em muitas palestras que fiz por aí.

Corali é uma menina que em seu coração reserva um espaço para seu pais, avós, Sapoti (seu cachorro vira-lata). Mas a menina tem um problema: um buraco no peito. Esse buraco a faz sentir que falta alguma coisa e a família toda se preocupa.

Todos se reúnem e cada um dá um palpite para resolver a situação, mas as sugestões não dão certo, Corali não pode explicar o que sente.

Um dia, a tia gorda aparece sozinha na casa de Corali. Enquanto a mãe dela dorme com o bebê dentro de sua barriga, elas começam a conversar.

A tia gorda vai perguntando, perguntando sobre o buraco… aos poucos, Corali vai se revelando: “é grande, mede uns cinco metros, não é feio nem bonito, é escuro de meter medo, incomoda quando alguém se importa com ele, aumenta em dia de chuva, continua seco quando eu tomo banho, quando eu tô alegre ele quase some; e respondeu mais de meia hora“.

A tia gorda, então, tira dois chocolates da bolsa, oferece um a Corali e revela que tem um buraco no peito igual ao dela.  E assim a tia gorda vai falando sobre o vazio dela. Esse buraco que tem tanto nome e algumas pessoas tentam preencher com cigarro, trabalhando demais e há quem coma chocolate. Cada um tenta tapar a seu modo, mas o buraco não some, ele nos acompanha sempre.

Tia gorda e Corali, após a longa conversa, vão ao cinema. E quem as olhasse pelo caminho não percebia que cada uma tinha dentro do coração um buraco.

Aconselho que, ao ler a história, você substitua o nome da menina pelo seu e descubra que também tem um buraco no peito, mas que o essencial não é tentar fechá-lo com móveis, cigarros, bebidas, comidas, relações sexuais, doenças, limpeza…

O importante é dar-se conta que ele existe em todos nós e é preciso ter respeito pelo que dói dentro da gente, mesmo que por vezes não tenhamos a menor ideia do que esteja causando tanta dor.

Corali descobriu que falar é bom. Talvez tudo o que precisamos é de tias gordas que nos ouçam sem julgar, mas na falta delas é preciso procurar profissionais da saúde mental para que nos ajudem a entender do buraco no peito, antes que ele se transforme em algo sem controle e nos leve à autodestruição.

Por Maria Emília Bottini

Psicóloga clínica

Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)

Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)

Autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer

E-mail: emilia.bottini@gmail.com