Como é ser professor do Novo Ensino Médio?

Nesta terceira reportagem da série sobre as mudanças no Novo Ensino Médio, o Jornal Boa Vista entrevistou professores para analisar o cenário e trazer um relato sobre dificuldades e possibilidades desta etapa.

O Novo Ensino Médio já é realidade nas escolas públicas e particulares de Erechim e região. Iniciou-se pelo 1º ano e será progressivo. Em 2023, para os estudantes dos 1º e 2º anos e, em 2024 a etapa de implementação encerra com os três anos do ensino médio. A primeira mudança foi em relação a ampliação da carga horária e o contato com um novo currículo através dos itinerários formativos.

Mas em todo este processo, a figura do professor também é fundamental para que essa reestruturação seja colocada em prática na sala de aula. Os professores são participantes ativos na comunidade escolar e na aprendizagem dos estudantes, atuando no funcionamento e desenvolvimento da instituição. Esses profissionais atuam nas decisões didático-pedagógicas, conhecem os objetivos e funcionamento da escola e, devem sempre buscar planos de ação e dinâmicas para inovar suas aulas, estimulando a participação dos estudantes. Mas quais são as percepções desses professores no atual cenário? Quais são os desafios e experiências vivenciadas desde as escolas piloto e, nestes seis primeiros meses do Novo Ensino Médio para as escolas particulares e Ensino Médio Gaúcho para as escolas estaduais?

Jonny

O professor da área das linguagens, Jonny Guimarães, acompanhou as mudanças a partir das escolas piloto da rede estadual, e relembra que como recém-chegado na escola em 2020, não possuía opção de escolha. Das disciplinas que sobraram, por não haver uma aceitação por parte do grupo de professores e por precisarem ser ministradas em contraturno, ouviu a seguinte frase: “olha as matrizes e veja se aceita”. E devido à redução de carga horária, que naquele momento foi insignificante, “aceitar os itinerários formativos foi um suprassumo, uma vez que eram direcionadas para a minha área de formação e interesses acadêmicos. Trabalhar com linguagem corporal e práticas metodológicas foram o auge dos meus mais profundos sonhos acadêmicos, porém, devido a pandemia, de forma remota, me permitiram um feedback importantíssimo para a minha formação e prática docente”, explica o professor que hoje atua com o ensino fundamental anos finais e com o Curso Normal-Magistério.

Ao ser questionado sobre as formações pedagógicas para os docentes das escolas pilotos, afirma que “não houve formação preparatória, ou pelo menos, nunca chegou ao meu conhecimento a nível de orientação e cobrança. As coordenadas sobre a matriz curricular eram repassadas pela organização da escola, se estas informações vieram do estado e/ou coordenadoria, desconheço”. Guimarães comenta também que em relação a rotina de planejamento naquele período inicial, “foi um sonho se tornando realidade, mas que, no entanto, sem orientação por onde começar, tornou-se uma missão árdua. Quebrar visões catedráticas na Língua Portuguesa que supervalorizam o ensino de gramática, produção textual, literatura e afins, com percursos formativos em Linguagem Corporal é o auge para uma sociedade que tenha autoconhecimento e respeito as diversidades”.

Para ele a experiência foi positiva, “meu desafio foi em fazer algo fora do convencional, dar voz e empoderar essa nova geração. Falar sobre corpo e o que é ciência, é importantíssimo, pois fazemos ciência, vivemos em diferentes corpos, em diversas sociedades, o mundo é multicultural! E a mudança que percebi foi gritante, ver seus estudantes se apropriando de conceitos e aplicando em suas vidas é prazeroso e revolucionário, mas para isso, o profissional de educação precisa estar em movimento, necessita de informação”.

De lá para cá, com o Ensino Médio Gaúcho implementado neste ano, o professor observa que que muitos estudantes estão com a expectativa de: “caramba, o ensino já é fraco e com a diminuição de carga horária de disciplinas, o que vai ser para se chegar ao Enem? – tenho ouvido muitas dúvidas, reclamações e, principalmente, incertezas de continuar no Ensino regular ou partir para o EJA – já que o corte em disciplinas será efetivado. Não vejo uma grande aceitação, até porque pouco tem se falado sobre o Novo Ensino Médio nas escolas”, complementa Guimarães.

Anelise

Para a professora de ciências humanas, Anelise Grieger, a reforma está sendo uma experiência frustrante, pois na rede estadual “os estudantes não tiveram opção de escolha, os componentes foram distribuídos na carga horária do ensino médio”. Ela também relata que não teve redução de carga horária, porém não conseguiu ministrar aulas no componente curricular que tem formação, desta forma, está atuando com as disciplinas de Sociologia, Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Seminário Integrado. Anelise ainda afirma, “está sendo bem cansativo, visto que, demanda bastante tempo para preparar as aulas os desafios são muitos, pois as formações ofertadas de forma online não nos preparam para a sala de aula, sinto falta de algo mais prático, algo que faça sentido em relação ao que pedem nos itinerários”. E o que ela percebe é que “os estudantes do 1º ano do ensino médio não estão muito envolvidos, nem demonstram interesse por esses componentes”, reflete a professora.

Necleto

Ao entrevistar o professor de física e robótica, Necleto Pansera Júnior, o mesmo explica que na escola particular em que atua a carga horária dos estudantes aumentou, sendo dividida em, Formação Geral Básica, que é constituída pelas  disciplinas obrigatórias de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e os Itinerários Formativos constituídos por disciplinas dentro das áreas do conhecimento, sendo uma parte da carga horária obrigatória e outra parte optativa pelos estudantes, sendo assim, “eles têm opção de escolha – tinham quatro opções e optaram por duas – agora no primeiro ano e no ano seguinte a carga horária dos itinerários formativos obrigatórios vai diminuindo e as optativas vão aumentando”, destaca Pansera.

Ao se tratar da carga horária, o professor afirma que para os estudantes, no geral, não teve redução dentro das áreas do conhecimento, e para o corpo docente também não, no entanto, teve alteração de disciplinas, por exemplo, “agora além de física, ministro duas disciplinas do itinerário, Evolução do pensamento científico, que é obrigatória para todos os estudantes e a outra que é optativa, Tecnologias e sociedade: sistemas e processos”. E ainda pontua que “tivemos um longo período de formação sobre a nova diretriz, estudamos desde 2020 e a nossa rede produziu um material específico para a formação dos professores, o que facilitou muito o entendimento dessa reforma”. Segundo o professor de física e robótica está sendo uma experiência significativa, pois “o planejamento tem sido mais discutido e acompanhado de perto pela coordenação e pelos demais professores da área de conhecimento”, no entanto, para os estudantes “ainda tudo é muito novo, temos ainda que dar forma a esse novo contexto e adaptar aos estudantes, mas eles ainda não têm uma opinião formada sobre o Novo Ensino Médio”.

Waleska

A professora da área das ciências humanas, Waleska Freitas, que atua nos dois espaços educacionais, diz que “na rede particular os itinerários formativos obrigatórios foram propostas enviadas por professores dentro da rede, onde foram selecionados e implementados aqueles que melhor se encaixam na sua proposta pedagógica, já as disciplinas optativas, vem com trilhas formativas, já elaboradas e disponibilizadas pela rede” e que “recebemos formação, e temos horário de planejamento específico para o Novo Ensino Médio”, desta forma, “a implementação está sendo gradual, só com primeiros anos; isso me parece ser melhor pensado e absorvido pelos professores e estudantes, apesar de me parece que a quantidade de carga horária sobrecarregou os estudantes”, salienta a professora.

Já na rede pública o cenário é diferente, ela conta que na escola onde atua, que inclusive já foi escola piloto, achou a reforma radical. “Não ocorreu de forma gradual. Acredito que não foi a boa escolha implantá-lo assim, pois tivemos reduções de componentes curriculares e gerou uma reorganização de quadro funcional, e acho que não foi positivo para os estudantes”, afirma Waleska.

A professora também pontua que “temos disponível a nível estadual uma capacitação que é feita online e está sendo ofertada a todos os professores que trabalhem com algum itinerário, ou que queiram se capacitar caso venham a trabalhar algum itinerário”. Para ela, no estado, a forma de trabalho está um pouco confusa, “não há materiais ofertados e na realidade, não sabemos qual a proposta específica do itinerário. Isso acarreta múltiplos professores trabalhando o mesmo itinerário em turmas e de maneiras diferentes e os estudantes da escola pública estão bem perdidos, pois não sabem a utilidade pedagógica do itinerário e não sabem por que algumas disciplinas saem do currículo para dar lugar ao itinerário”, finaliza.

Nos próximos dias, o Jornal Boa Vista publicará uma nova reportagem sobre o Novo Ensino Médio, com a participação de estudantes e familiares.

Por Aline Koproski