Com distanciamento social, coronavírus avança no RS em ritmo moderado

Médicos alertam que o pico da doença só deve chegar no fim de abril e que reabertura de comércios ameaça boa progressão da doença no Estado

Passado um mês após a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Rio Grande do Sul, o governo do Estado divulgou, na noite de quinta-feira (9), um diagnóstico indicando que as medidas de isolamento estão surtindo efeito no combate à pandemia. Ultrapassamos as primeiras semanas no melhor cenário possível, com ritmo relativamente próximo ao do Japão, onde a dinâmica da doença é, por enquanto, menos grave.

Na metade de março, o governo estadual havia projetado três cenários hipotéticos da covid-19 para os primeiros dias de abril. A velocidade de contágio poderia ser “extrema” (ao ritmo de Itália, Irã e Coreia do Sul), “agressiva” (França, Espanha e Alemanha) ou “moderada” (Japão).

No pior cenário, seriam 4,3 mil gaúchos infectados. Em um cenário intermediário seriam 3,5 mil e, na melhor hipótese, 245, segundo estimativas do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag). Na vida real, foram 410 casos atingidos na sexta-feira passada (3), data que representa duas semanas após a confirmação do 50º caso, quando se estima que exista transmissão comunitária. Ainda que a marca gaúcha seja quase o dobro da japonesa, é muito menor do que uma perigosa curva italiana, francesa ou espanhola. 

— Há um efeito positivo das medidas de confinamento tomadas em níveis estadual e municipais, cujo embasamento era justamente o propósito do estudo com as projeções iniciais. Mas é preciso seguir acompanhando a evolução comparativa por um período maior de tempo — afirma Bruno Paim, economista do DEE e um dos autores do estudo.

A importância das medidas de restrição é dada como óbvia também por médicos consultados pela reportagem. Porto Alegre, que concentra quase metade das infecções no Estado, foi uma das capitais que começou a impor limitações cedo, sem esperar que o número de casos confirmados crescesse de forma exponencial. 

— De outro modo, a diminuição de circulação de pessoas idosas e com doenças crônicas impede que elas contraiam infecções. Assim, espera-se que haja menos casos chegando aos hospitais — acrescenta Fabiano Nagel, médico intensivista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do Grupo Hospitalar Conceição (GHC).

Mas é preciso ter “cautela” antes de sair comemorando, pontua Ricardo Kuchenbecker, professor de epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Um ponto importante é que, desde 23 de março, por determinação do Ministério da Saúde, o Brasil só testa casos graves de coronavírus – ficam de fora, portanto, todas as pessoas com sintomas mais leves. Isso prejudica análises sobre um cenário real da epidemia.

— Considerando que a testagem está restrita aos casos mais graves e, portanto, não testamos os sintomáticos, é possível dizer que a fase inicial a progressão de casos está indo bem. Mas a palavra é “cautela”. Estamos em fase inicial da doença ainda. Enquanto isso, as pessoas já estão saindo mais na rua, e o comércio está sendo retomado. Isso preocupa — afirma Kuchenbecker.

Nesta quinta-feira (9), o governador Eduardo Leite decidiu permitir que prefeituras decidam se serviços não essenciais serão reabertos. Na prática, isso relaxa as restrição em todo o Estado. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) não respondeu ao pedido de entrevista de GaúchaZH

A situação no Japão é bem menos grave do que na Itália, França ou Espanha — até o fechamento desta reportagem, eram cerca de 5,3 mil casos e 88 mortos em quase três meses, uma taxa de letalidade de 1,64%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Exatamente um mês após a confirmação do 50º caso, o país asiático tinha 620 doentes e 15 mortos. No mesmo período de tempo, o Rio Grande do Sul tem 640 casos, 15 mortes e uma taxa de letalidade de 2,3%.

— O Japão está atuando com muito mais severidade nas medidas de isolamento. Por lá o número de casos é mais próximo à realidade, enquanto que nós temos total subestimado. Se tivéssemos a densidade populacional do Japão, estaríamos muito pior — observa Alexandre Zavascki, chefe da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento. 

Comparar Japão e Rio Grande do Sul é arriscado: há 127 milhões de japoneses em uma área perto do Mato Grosso do Sul, contra cerca de 11 milhões de gaúchos. Para além disso, há uma cultura de proteger-se com máscaras ao menor sinal de gripe, relativo respeito às orientação do governo e hábito de cumprimentar a distância.  

Ainda que esteja melhor do que países europeus, o Japão vem sendo fortemente criticado por ter demorado na imposição de quarentena. Entre o primeiro registro e as medidas obrigatórias, passaram-se mais de 80 dias. Foram aplicados também, relativamente, poucos testes: cerca de 64 mil até quinta-feira, contra 503 mil efetuados pela vizinha Coreia do Sul, segundo dados do Our World in Data. O Brasil fez 62.985 testes para detectar  coronavírus, segundo o Ministério da Saúde informou na quarta-feira (8). Já foram distribuídos no país mais de 550 mil exames.

No Rio Grande do Sul, onde as restrições vigoraram mais cedo, o cenário promissor esconde um futuro ainda incerto: a epidemia está longe de acabar, com um crescimento exponencial de casos para ocorrer entre o fim de abril e o início de maio.

— O Rio Grande do Sul está “atrasado” epidemiologicamente em relação a São Paulo e, possivelmente, ainda mais com relação à Europa. Então, temos que aguardar mais tempo e dados para podermos prever. Não chegamos ainda ao ponto da curva onde potencialmente há aumento exponencial de casos. É nesse período que as coisas irão piorar. Temos que testar e nos manter preparados — acrescenta o médico intensivista Fabiano Nagel.

Observação: os dados da reportagem são desta sexta-feira (10). A análise do DEE difere dos dados informados pela SES, porque  envolve a data de resultado e confirmação de cada caso. Já a SES trabalha com a data de coleta do exame. Segundo o autor do estudo, projeções costumam ser feitas com a data de confirmação. 

Fonte: GaúchaZH 

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