Um ciclone raro no Atlântico Sul e com trajetória retrógrada igualmente atípica vai atuar durante os próximos dias em alto mar na costa brasileira, a Leste do Sul do Brasil, conforme a previsão da MetSul Meteorologia. Trata-se de sistema de característica bastante incomum, uma vez que o ciclone tende a ser de natureza tropical na sua fase madura, evoluindo de um sistema subtropical para tropical
Existem outros dois tipos de ciclones, considerados atípicos ou anômalos, no Atlântico Sul: os subtropicais (centro de baixa pressão em parte frio e parte quente) e os tropicais (centro quente). Estes ciclones, quando se formam, diferentemente do que ocorre com os comuns extratropicais, acabam recebendo nomes de acordo com uma lista previamente estabelecida pela Marinha do Brasil. Os ciclones subtropicais são os mais frequentes entre estas tempestades ciclônicas consideradas anômalas. A grande maioria dos ciclones anômalos formados nos últimos 15 anos na costa do Brasil foi de natureza subtropical. Já ciclones tropicais são os menos comuns, até porque as águas não são tão quentes no oceano onde este tipo de ciclone é mais comum.
O mais conhecido e ao mesmo tempo destrutivo episódio de um ciclone tropical foi o furacão Catarina do final de março de 2004. Um ciclone que antes foi subtropical e passou a ser tropical, transformando-se em furacão categoria 1 antes de atingir o Sul de Santa Catarina e o Litoral Norte do Rio Grande do Sul com prejuízos à época estimados em mais de um bilhão de reais e ao menos dez mortes. Ciclone pode ser tropical Ao contrário da esmagadora maioria dos ciclones (extratropicais) que influenciam o tempo na América do Sul, exceto áreas perto do Caribe como a Venezuela, o conjunto de dados analisados pela MetSul Meteorologia indica que o ciclone que atuará na costa do Sul do Brasil deve adquirir características tropicais. Isso significa que o perfil do centro de baixa pressão (todo o ciclone é um centro de baixa pressão) será integralmente quente, dos níveis baixos a altos da atmosfera. Modelos de supercomputadores em diagramas de fase projetam que o ciclone inicialmente subtropical (centro quente e frio conforme a altitude) passaria a tropical (centro integralmente quente).
Os ciclones tropicais se dividem em três subcategorias. Inicialmente, uma depressão tropical tem vento sustentado de até 62 km/h. Se o vento sustentado em um ciclone tropical for entre 63 km/h e 118 km/h, o sistema será classificado como uma tempestade tropical. Finalmente, se o vento sustentado de um ciclone tropical for igual ou acima de 119 km/h ele será classificado como um furacão. Já houve tempestades tropicais na costa do Brasil: Anita (2010), Iba (2019) e 01Q (2021). O único ciclone tropical documentado a atingir o status de furacão até hoje foi o Catarina, de março de 2004. Foi um furacão classificado no limite superior da categoria 1, que tem vento sustentado entre 119 km/h e 153 km/h, mas com rajadas superiores. Este ciclone no seu momento inicial será subtropical em sua natureza e será batizado como Akará, o primeiro da nova lista de nomes para designação de ciclones anômalos na costa do Brasil. O nome em Tupi antigo é de uma espécie de peixe.
De acordo com o entendimento da MetSul Meteorologia, na sequência, o ciclone que inicialmente será subtropical e identificado como uma tempestade subtropical (vento sustentado de 63 km/h ou mais) deve assumir características tropicais, passando a ser uma tempestade tropical (vento sustentado de 63 km/h a 118 km/h), o estágio de um ciclone tropical que precede um furacão.
Análise da Marinha do Brasil da 0Z de hoje já identificou uma depressão subtropical na costa do Sudeste do Brasil. Entre hoje e amanhã, a tendência é desta baixa pressão se aprofundar e passar à condição de tempestade subtropical, momento em que será nomeada como Akará.
Qual deve ser a trajetória deste ciclone?
Todos os modelos numéricos globais analisados pela MetSul Meteorologia convergem em indicar que o ciclone avançará da costa do Sudeste para o litoral do Sul do Brasil numa trajetória Sul-Sudoeste. O ciclone, assim, deve apresentar uma trajetória que se conhece como retrógrada, que é atípica, de Leste para Oeste, quando o normal nos ciclones do Atlântico Sul é um movimento de Oeste para Leste, afastando-se do continente. O que não está claro hoje ainda é o quanto o sistema vai se aproximar da costa e se ele se permanecerá apenas sobre o oceano, sem tocar terra. Projeções de trajetórias de ciclones tropicais são complexas no mundo inteiro, não à toa o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NHC) utiliza em seus prognósticos e avisos o chamado “cone de incerteza”, delimitando uma área maior de risco à medida que se distancia o período inicial de prognóstico.
A maioria dos modelos de previsão do tempo gerados por computadores indica neste momento que o ciclone não tocaria terra e permaneceria o tempo todo sobre o oceano sem oferecer maior risco ao continente, embora vários aproximem muito o sistema do litoral. Ocorre que os prognósticos dos modelos têm variado a cada rodada, e bastante, ora aproximando mais ou menos o sistema da faixa costeira. A trajetória, assim, ainda é muito incerta. O modelo europeu, em suas mais recentes saídas, aproximou o sistema cada vez mais da costa. Na rodada da 0Z de hoje, o modelo europeu – que é reputado o de maior índice de acerto do mundo e usado em prognósticos de furacões nos Estados Unidos – posiciona o ciclone junto à costa gaúcha entre os dias 22 e 23, mas muito enfraquecido.
O modelo norte-americano GFS, da NOAA, por sua vez, indica também uma trajetória para o Sul, mas em nenhum momento indica o ciclone perto da costa, mantendo o sistema em alto mar a uma grande distância da costa do Sul do Brasil e sem oferecer risco ao continente.
O modelo global da Environmental Canada da mesma forma projeta que Akará ficará longe da costa do Sul do Brasil, sinalizando uma trajetória semelhante à prevista pelo modelo norte-americano GFS que mantém a tempestade distante da nossa faixa costeira.
Já o modelo britânico, do Met Office do Reino Unido, é outro que indica a manutenção da tempestade em alto mar e a uma grande distância da costa, com projeção de trajetória muito parecida com as dos modelos norte-americano e canadense.
Somente um dos vários modelo globais analisados pela MetSul projeta que este ciclone de agora tocaria terra e com forte intensidade, o operado pela Agência Meteorológica do Japão (JMA). Este modelo, porém, não costuma ser referência nos prognósticos de ciclones no Atlântico.
Em 2004, quando do Catarina, os modelos disponíveis à época, como o AVN/MRF (precursor do GFS), menos precisos e menos variados que os atuais, dias antes não indicavam um ciclone intenso em alto mar nem que tocaria terra, mas foi o que veio a ocorrer. Assim, mesmo que o cenário menos provável pelas simulações dos modelos de hoje seja o ciclone tropical tocando terra, a complexidade deste tipo de sistema meteorológico e o histórico da região exigem muita atenção nos próximos dias no litoral do Sul do Brasil, em particular de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Ambiente de formação semelhante ao Catarina
O cenário sinótico que os modelos meteorológicos indicam para este ciclone guarda uma enorme semelhança com o ambiente que levou ao furacão Catarina, o que se sublinha, e com ênfase, não necessariamente levaria a uma repetição do que ocorreu vinte anos atrás no Sul do Brasil.
Assim como em 2004, os modelos indicam o centro de baixa pressão segregando-se da frente fria e assumindo características tropicais com uma trajetória retrógrada. Sob uma atmosfera com menor divergência de vento por efeito de um bloqueio atmosférico, o ciclone se intensifica e avança de Leste para o Oeste. Em 2004, uma severa estiagem afetava o Sul do Brasil e a atmosfera estava sob padrão de bloqueio que inibia chuva e trazia menor divergência de ventos, o que permitiu que Catarina se desenvolvesse e tomasse o rumo na direção do continente, mesmo com o mar não muito aquecido. Justamente menor vento divergente (shear) é que permite que estes ciclones anômalos se aproximem da costa.
Fonte: Metsul