Após 34 dias de discórdias públicas e intrigas privadas, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi demitido nesta quinta-feira (16) por Jair Bolsonaro. A exoneração deve sair em edição extra do Diário Oficial, mas foi oficializada pelo presidente em reunião nesta tarde no Palácio do Planalto. Mandetta publicou a informação no Twitter.
Mais popular integrante do governo e com aprovação duas vezes maior que a do presidente, Mandetta não resistiu à própria verve. Sentindo-se blindado no cargo após receber apoio dos militares e emparedar o presidente mais de uma vez, o ministro acabou dando duas entrevistas cheias de provocações e referências diretas ao presidente.
A primeira, no dia 6 deste mês, logo após a tensa reunião em que foi confirmado no cargo, acabou sendo relevada, mas não esquecida pelo Planalto. A situação, contudo, ficou insustentável após a fala de Mandetta ao Fantástico, no domingo (12), na qual voltou a criticar o comportamento de Bolsonaro. O ministro já havia avisado que suas reações seriam proporcionais aos atos do presidente.
No sábado (11), eles visitaram juntos as obras de um hospital em Goiás, ocasião em que Bolsonaro cumprimentou apoiadores e se uma aglomeração. Irritado e disposto a marcar posição, Mandetta disse ao Fantástico que a população “não sabe se escuta o ministro ou o presidente”.
Criticado inclusive por parlamentares e governadores que o apoiavam, Mandetta reconheceu o erro e submergiu. Na terça-feira (14), apareceu com o semblante carregado na coletiva diária de atualização dos números sobre a pandemia. Amuado, pouco falou. Ao retornar ao gabinete, comunicou à equipe que sua demissão era questão de tempo.
Veja a seguir as razões para sua queda:
Alinhamento com adversários políticos
Mandetta começou a cair em desgraça com o presidente em 13 de março. Na véspera, o ministro havia participado da live semanal com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Ambos usavam máscara e pareciam alinhados no discurso de contenção social. Naquela mesma noite, o presidente fez um pronunciamento em cadeia de rádio e TV aconselhando os apoiadores a evitarem aglomerações nos protestos marcados para o domingo seguinte, 15 de março, contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
No dia seguinte à live, Mandetta viajou a São Paulo, onde participou de uma entrevista coletiva ao lado do governador João Doria (PSDB), maior desafeto de Bolsonaro. Mandetta anunciou a liberação de quase R$ 100 milhões em recursos federais para o Estado combater a pandemia e insistiu na adoção de medidas de isolamento. A partir dali, o presidente e assessores próximos passaram a nutrir crescente desconfiança do ministro. Nas semanas posteriores, Mandetta também se aproximou de outros antagonistas de Bolsonaro, como os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Provocações sucessivas e insubordinação
A tolerância do presidente com o que considera provocações de Mandetta chegou ao fim no domingo. Na entrevista concedida pelo ministro ao Fantástico, da TV Globo, Bolsonaro e seus asseclas enumeraram várias alfinetadas. A primeira foi a escolha da emissora, alvo de sucessivos ataques do Planalto. Mas Mandetta foi além. Citou idas à “padaria”, dois dias após Bolsonaro parar em uma padaria de Brasília, cobrou um discurso unificado do governo, reclamou de fake news e previu um pico de contágio em maio e junho. Desferidas em série, as declarações confrontam opiniões e atos do presidente nas últimas semanas.
A entrevista fez Mandetta perder o suporte do núcleo militar. Responsáveis por convencer o presidente a não demiti-lo na semana passada, os generais de terno enxergaram no episódio uma irrefreável quebra de hierarquia. Para eles, Mandetta já havia agido assim no dia 6, quando fez várias referências indiretas e provocativas a Bolsonaro logo após a tensa reunião em que acabou confirmado no cargo.
A resistência à cloroquina
Incensada por Bolsonaro como um medicamento capaz de curar os pacientes da covid-19, a cloroquina se transformou em pivô de um novo debate nacional. Usada no tratamento de doentes de malária, lúpus e artrite reumatoide, a droga começou a ser testada no combate ao coronavírus na China e logo ganhou adeptos em vários países. Contudo, ainda não há comprovação científica de sua eficácia no combate à pandemia. Dos 65 estudos clínicos em andamento ao redor do mundo, apenas três foram finalizados e as conclusões são inconfiáveis. O principal temor dos médicos são efeitos colaterais, como arritmia cardíaca e problemas na visão.
Influenciado pelos filhos, Bolsonaro quer que o Mandetta incentive o uso da cloroquina nos pacientes de covid-19, incluindo a droga nos protocolos oficiais. O ministro resiste, embora já tenha liberado o uso para internados ou em estado graves, cuja decisão deve caber ao médico pessoal de cada paciente. Na semana passada, o ministro chegou a ignorar dois médicos levados ao Planalto pelo presidente e queriam convencê-lo a baixar um decreto determinando o emprego da cloriquina.
A política de isolamento social
Desde a chegada da pandemia ao Brasil, Mandetta tem alertado à população para evitar aglomerações, sob pena de uma proliferação rápida e massiva da doença. Conforme os casos foram se multiplicando, o ministro redobrou os avisos e passou a defender medidas severas de restrição do convívio social. Em sintonia com governadores e prefeitos Brasil afora, o discurso de Mandetta preconiza inclusive a suspensão de missas e cultos evangélicos, em confronto direto com as ideias defendidas por Bolsonaro. Em decreto, o presidente chegou a permitir a abertura de igrejas e templos por considerar a religião “atividade essencial”.
São os efeitos econômicos da paralisação do comércio, da indústria e do setor de serviços, porém, que mais preocupam Bolsonaro. O presidente teme que uma recessão iminente desgaste seu governo e vem defendendo com ênfase a retomada da atividade econômica. Mandetta já divulgou um plano de afrouxamento gradual das medidas de distanciamento social e manifesta preocupação com a economia, mas mantém as diretrizes de isolamento para retardar o pico de contágio e evitar o colapso do sistema de saúde.
Fonte: GaúchaZH