A novidade veio dar à praia
Na qualidade rara de sereia
Metade o busto
D’uma deusa Maia
Metade um grande
Rabo de baleia…
“A novidade”, Gilberto Gil
O ser humano é movido a seus desejos, isso já foi inúmeras vezes constatado por psicanalistas e filósofos. E um dos principais aspetos que ativa esse desejo em todos nós é a novidade. Sim, o novo, o original ou, ainda, a primeira vez. Nada como aquela viagem ao tão almejado destino, fazendo com que a mesma distância de ida e volta não seja percebida assim. Sabemos como a ida demora muito mais do que a volta!
As inaugurações também mexem com a gente. Estive na semana passada no novo atacado de Erechim. Era um dia de semana, bem no meio da tarde, já que fui depois da minha grande (em termos de tempo e ocupação do microfone da Rádio Cultura) participação no BV Esportes. Precisa comprar pão e outras miudezas de “secos e molhados”, como aparecia nos armazéns do bairro que morava em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, no final dos anos 1980.
Tive a ideia de ir conhecer o novo local. Só que mais, muito mais, pessoas também tiveram essa ideia, desejo ou necessidade no mesmo momento. O resultado: um aglomero de gente e carros. Quase não entrei. Mas entrei e não comprei nada. Muitas filas, tudo abarrotado de gente com carrinhos gigantes, seguranças e demais funcionários tentando administrar a situação, enfim, um cenário muito adverso para fazer qualquer compra pela questão do tempo que seria gasto, mas absolutamente interessante ao olhar sociológico.
Então, perambulei pelos corredores unindo algumas curiosidades: nos preços, na estrutura e nas pessoas. Havia promoções e alguns bons preços por lá, assim como nos estabelecimentos similares já em atuação na cidade que também fizeram as suas promoções. Os liberais da gema vibram com a concorrência gerando boa condições aos clientes. Fiquei, num primeiro momento, até espantado com tantas pessoas em um dia de semana em “horário comercial”, no qual se imagina que muita gente está cumprindo sua jornada de trabalho. Mas, pensando melhor, arrisco que a explicação está em alguns pontos.
Era início de mês e, sabemos, ainda muitas pessoas fazem o rancho do mês. Então, com o salário ainda não completamente vencido e diante da necessidade em fazer compras, aproveitar promoções parece bom. Segundo aspecto: temos muitas pessoas que têm jornadas flexíveis de trabalho, que são profissionais liberais ou, assim como eu, também trabalham no período da noite. Logo, ir ao supermercado pela tarde não é nenhum absurdo, ao contrário, é o momento do dia que dá. Fora isso, tem um componente de perfil que me pareceu muito evidente: várias pessoas ali eram aposentadas ou pensionistas, sem um vínculo formal de trabalho. Isso explica a presença de algumas crianças que só tem escola pela manhã.
Penso que esses aspectos ajudam a entender o grande fluxo de pessoas, mas, sobretudo, o que mais pesou foi a novidade. As mesmas pessoas que sempre fizeram compras neste período iam, antes, em outros lugares. Conhecer um novo lugar atiça nosso desejo e isso faz com que possamos comprar as mesmas coisas em um outro espaço com outros ares. Conhecer algo novo não é, necessariamente, uma boa experiência em si, mas, sempre que estamos diante de uma novidade, nós potencializamos a “quebra de rotina”, tão importante para dar novos impulsos no cotidiano.
Um novo parque, uma nova praça, um novo restaurante, um novo atacado, a expectativa de um novo shopping na cidade, enfim, Erechim se presta muito a novidades porque é uma cidade que ainda se desenvolve em vários setores. Nossa comunidade é carente de mais espaços de lazer, de convivência e de entretenimento. Há um grande nicho a ser explorado. Quem se habilita?
Entre aspas
Qual a grande novidade que aconteceu na sua vida nos últimos dias? Qual a novidade que tu gostarias de ler no Jornal Boa Vista nos próximos dias? O que já passou e que se voltasse a acontecer seria uma baita novidade hoje? Qual novidade Erechim precisa?
Por: Thiago Ingrassia Pereira
Professor da UFFS Erechim
Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação