AS MANIFESTAÇÕES DA CIDADE: NAS RUAS E NAS REDES

Erechim voltará a ter manifestações em seu espaço central nos próximos dias. Seguindo tendência nacional, a cidade será palco de grupos com orientações políticas que se organizam para disputar o imaginário popular. Não há novidade nisso. Talvez, a grande novidade histórica das últimas décadas sejam manifestações, praticamente diárias, nas redes sociais.

Então, seja nas ruas ou na redes, o ato de ocupar espaços e deixar públicas as posições acerca de algum tema que está em evidência é muito comum. O ambiente democrático se nutre exatamente desse tipo de ocorrência. Vivemos um debate, muitas vezes bate boca mesmo, acirrado e que permite a reprodução de atores neste jogo da política brasileira. A chamada polarização acaba sendo uma cortina de fumaça diante dos temas estruturais do país, criando desgaste incrível que não tem contribuído em absolutamente nada para a nossa vida concreta.

Não precisamos voltar muitas década, basta um olhar retrospectivo a partir de 2013. Naquele momento, as “Jornadas de Junho” foram grandes manifestações públicas, já com o uso em larga escala das redes sociais, que viram surgir grupos e pessoas que seguem na cena política do país até hoje. O movimento teve seu próprio movimento, indo do espectro político posicionado pela esquerda até a direita que foi voltando a ter experiência de fazer oposição.

Depois disso, a eleição conflagrada de 2014, o afastamento polêmico da presidenta em 2016 e a nova eleição presidencial de 2018 foram construindo as condições do atual precário debate na opinião pública nacional. Em todos esses momentos, Erechim participou a partir da expressão organizada de sua população. Recordo das manifestações contra o afastamento da presidenta Dilma, contra a agenda de reformas do presidente Temer e o surgimento de manifestações frequentes a favor do bloco político hegemonizado pela liderança carismática do presidente Bolsonaro.

Na eleição de 2018, a praça Jayme Lago foi palco do ato “Ele não”, promovido por mulheres contrárias ao então candidato Bolsonaro, replicando as manifestações que aconteciam em nível nacional. Na mesma linha, após o resultado do segundo turno da eleição presidencial em 2022, a BR 153 foi bloqueada por manifestantes perto do posto da Polícia Rodoviária Estadual, indo ao encontro do que acontecia em vários lugares do país. Seguiu-se durante algum tempo uma espécie de acampamento na rótulo de acesso ao aeroporto da cidade.

O cenário político-eleitoral de Erechim aponta para uma maior presença do segmento de centro-direita em direção à extrema-direita. Curiosamente, pelo sucesso eleitoral em nível nacional do bloco de centro-esquerda liderado pelo presidente Lula, ser oposição, que sempre rende mais ações diretas no espaço público, é sinônimo de “antissistema”. Historicamente, foi o bloco de esquerda que ocupou esse papel.

Mas nem só de política partidária vivem as manifestações. O espaço público central é palco de carreatas diversas – casamento, comemoração de título esportivo, inauguração de loja –, procissões religiosas, incluindo uso de carro de som, buzinaços e outros expedientes que assegurem que a manifestação atinja um dos seus principais objetivos: chamar a atenção.

O público, que deveria ser de todos, passa a ser de alguns. E não há como não ter desencontros e ruídos: enquanto uns precisam descansar outros precisam buzinar. A democracia é barulhenta. Os caminhões de bombeiros são símbolos deste evidência típica das manifestações: a sirene anuncia a chegada, o desfile e, tal qual o carnaval, a apoteose. Muda-se a pauta, o perfil dos manifestantes e de seus equipamentos (há carreatas só de caminhonetes acima de R$ 200.000,00 ou de tratores nesta faixa de preço para bem mais), mas segue o ritual que afina o sentido de pertencimento em oposição a quem pensa diferente.

Algumas pessoas se alimentam desse “comércio de manifestações”. Temos agentes políticos que não sabem se é melhor ser vereador ou youtuber, temos gente que se inflama no palanque e fica bem morna na tribuna, tem até quem participa sem saber ao certo o que está fazendo. Mesmo diante disso, prefiro uma cidade que diga a sua palavra do que aquela que vive na cultura do silêncio.

Entre aspas

Esta semana estou participando no XXVI Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, sediado pelo IFSul em Pelotas. Por isso, lembrei da última entrevista de Freire em que ele incentiva as marchas pelo país. Ele fala da “marcha dos reprovados”, da “marcha dos sem amor”, enfim, ele percebia as marchas como Andarilhagens históricas.

Talvez o que Freire não pudesse imaginar é uma marcha de patriotas contra os interesses nacionais. Bem, mas isso é outro assunto e, de certa forma, é parte dos barulhos da democracia.

Por: Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br