Armar o professor é decretar a morte da pedagogia

*Arnaldo Nogaro

 

Assisti atônito ao pronunciamento do presidente americano Trump na televisão a respeito do massacre de estudantes na Flórida. O presidente defendeu a ideia de que devemos armar os professores para que impeçam que massacres como aquele ocorram novamente. Na reunião na Casa Branca, com os estudantes que sobreviveram ao tiroteio, Trump argumentou: “Se você tivesse um professor que fosse adepto das armas de fogo, poderia muito bem acabar com o ataque muito rapidamente.”

Confesso que aquelas palavras ficaram na minha cabeça. Comecei a interrogar-me e a questionar-me a respeito da função do professor e do lugar da escola. No meu entendimento, educar envolve gestos e atitudes que se contrapõem a qualquer mecanismo de violência física, psicológica ou simbólica. Um educador faz formação específica, normalmente de nível superior ou até pós-graduação, para preparar-se do ponto de vista didático, epistemológico e ético para trabalhar na educação básica com crianças e jovens. Seu métier está relacionado ao conhecimento, às atitudes, a proteger e defender a vida, mas jamais pegando em armas de fogo para tirá-la. Eu sei que o cenário brasileiro, por exemplo, faz com que as pessoas pensem em saídas radicais, extremas, em função do contexto caótico em que impera a violência e desassiste as pessoas quanto à segurança. Mas daí a armar o professor como saída, no mínimo, é um disparate.

Embora, muitas pessoas poderão pensar que Trump tenha razão, fico me perguntando o que diriam a respeito disso Madre Teresa, Gandhi, São Francisco de Assis, dentre outros, que pregaram o amor e a paz como princípios para o agir humano.

Questionei-me também a respeito da sanidade da ideia de “armar o professor”, no “mínimo 20% deles”, segundo o dirigente americano. Rememorei teóricos da educação, estudiosos da Pedagogia e do que falam a respeito do ser professor e de sua tarefa. O que diriam de transformar o professor em um “guarda armado”, agora, além do conhecimento, com armas de fogo? Lembrei da metáfora de Bauman, quando propõe que podemos comparar o professor com o caçador ou o jardineiro, deveras oportuna e atual, segundo o desejo do dirigente máximo.

Acredito que as palavras de Trump devem ter provocado uma miscelânea de sentimentos em educadores, que como eu, acreditam que há outros caminhos e estratégias para se enfrentar os cenários com que nos deparamos e a contaminação da escola com práticas, até então, somente existentes fora dela. Ivan Illich, na década de setenta, criticou a escola e sua organização dizendo que, em decorrência dos resultados que apresentava, não deveria mais existir e, portanto, deveríamos fechá-la para o bem da humanidade. Sua profecia não se confirmou, no entanto, no momento em que decidirmos pôr uma arma de fogo na mão do professor, decretamos o fim da Pedagogia e da esperança de que o ser humano pode ser mudado pela educação. Na contramão do que Trump propõe, Antônio Damásio, neurocientista renomado, em seu último livro (A estranha ordem das coisas) afirma: “se não houver educação maciça, os seres humanos vão matar-se uns aos outros.” Ainda bem que há mentes lúcidas que vislumbram saídas viáveis e apontam uma luz no final do túnel. Graças a estas mentes podemos depositar esperanças no ser humano e num amanhã melhor.

 

 

*Pró-Reitor de Ensino – URI