A quantidade aproximada de água no planeta é de cerca de 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos, sendo 97,5% de água salgada (oceanos), 2,43% água doce (geleiras, aquíferos – grande parte inacessível) e apenas 0,007% (lagos, rios, e na atmosfera) está disponível para consumo, de acordo com estudo realizado pelo Serviço de Vigilância Geológica dos Estados Unidos (USGS). Ao considerar o aumento da população, a água tanto para a produção agrícola e industrial como para o consumo humano tenderão a crescer, e junto eles a escassez e os conflitos. Em 2005, 35% da população mundial tinha restrição ao acesso. Vale salientar que o primeiro bilhão de habitantes foi alcançado em 1900. Em 2017, passou para 7,6 e em 2030 pode chegar a 8,6 bilhões, porém a quantidade de água do planeta não oferece possibilidade de crescimento para acompanhar a demanda.
O Brasil possui cerca de 12% dos recursos hídricos do planeta, sendo que a região Sul possui 6,5% dos recursos hídricos e 15% da população, o Sudeste tem 6%, 42,65%, o Nordeste, 3,3% e 28,9% da população. As três regiões agrupadas representam 15,8% dos recursos hídricos e 86,5% da população. A região Norte e o Centro-Oeste, tem 84,2% da disponibilidade de água, e apenas 13,3% da população brasileira. Os dados mostram a concentração da oferta de recursos hídricos nas regiões Norte e Centro-Oeste, que são escassamente povoadas. Ao mesmo tempo informam que as demais regiões (Sul, Sudeste e Nordeste) concentram a maior população e maior demanda, mas possui somente 16,8% da oferta de água. Significa dizer, maior possibilidades de conflitos. Para o senso comum, infelizmente se consolidou uma percepção equivocada de que o país não enfrenta problemas crônicos de escassez, salvo em regiões específicas.
Apesar disso, na região amazônica ocorreu estiagem severa em 2004, São Paulo tiveram crises hídricas em 2014 e em 2016, em Minas Gerais nos últimos três anos, Brasília enfrenta racionamento de água há de mais de ano. E no Rio Grande do Sul tem havido pelo menos um evento de estiagem a cada três ou quatro anos. Os dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil apontaram que em 2017, 872 municípios brasileiros estiveram em situação de emergência e crise hídrica.
Além das óbvias disparidades regionais na oferta de água, o país sofre de um problema crônico de infraestrutura urbana e rural na coleta, tratamento e captação de esgoto e lixo doméstico e industrial, fatores que pioram sensivelmente a qualidade da água dos mananciais e encarecem os custos de tratamento. Os dados do site Trata Brasil informam que no Rio Grande do Sul em 2016, 87,18% da população tem acesso a água tratada, as perdas da rede hídrica são de 32,34%, a coleta de esgoto é de 29,40% e o tratamento de esgoto é de 24,15%. Significa dizer, que cerca de 75% dos esgotos sanitários ainda são lançados diretamente nos mananciais hídricos sem nenhum tipo de tratamento.
Outro aspecto, no caso brasileiro, é a fragilidade generalizada das instituições em lidar com questões ambientais por deficiências estruturais e de financiamento público especialmente, nos temas relacionados com o abastecimento, gestão da água e no saneamento em nível local. Se considerarmos o orçamento federal, no ano de 2017 foram destinados apenas 0,13% dos recursos orçamentários, ou seja, com esses recursos a agenda ambiental está longe de se tornar em prioridade dos governos.
Do mesmo modo, o perfil da legislação brasileira revela um enfoque baseado nos preceitos do comando e controle, com pouca ênfase em processos educativos, ou mesmo de incentivos econômicos, a fim de atribuir novas funções e responsabilidades aos usuários, e para aqueles que de alguma forma promovem ou investem na preservação e na conservação dos recursos hídricos e da natureza. A referência trata especialmente sobre a função que pode ser atribuída aos agricultores e aos moradores nas regiões próximas aos mananciais. O artigo 41 da Lei 12.651/12 (Código Florestal) prevê algumas formas de incentivo destinados a promover a conservação, mas que ainda não saiu da in-tenção normativa.
A realidade está a demonstrar a necessidade urgente de mudança de paradigmas, tanto por parte das ações do Estado, como dos usuários, que via de regra apenas reivindicam acesso aos serviços da água, mas que pouco contribuem para auxiliar nas soluções por meio da pressão aos poderes responsáveis. E as soluções existem, apesar de escassas.
A cidade de Nova York é um exemplo bem sucedido de política socioambiental para o fornecimento de água em quantidade e de boa qualidade e que vem conseguindo atender sem maiores percalços, os nove milhões de habitantes da cidade e dispensa, inclusive, tratamento intensivo de potabilidade ao receber apenas a adição de cloro e flúor antes de ser distribuída. A estratégia adotada foi a conservação dos mananciais da bacia hidrográfica por meio de um modelo de gestão descentralizada iniciada no século XIX e potencializado por meio de instrumentos legais desde a década de 90. Essa opção auxiliou o estado de Nova York a economizar de US$ 6 a US$ 8 bilhões e custos operacionais de mais de US$ 300 milhões por ano, totais estimados para a construção e manutenção de uma estação de tratamento.
As estratégias adotadas foram firmar acordos com centenas de atores sociais (moradores, agricultores, empresários) residente nas bacias hidrográficas e possibilitaram instituir políticas permanentes de pagamentos por serviços ambientais (PSA). Além disso, foi disponibilizado assistência técnica destinada a adequar e transformar em manejo seguro e sustentável as atividades produtivas (agrícolas e industriais) desempenhadas na bacia hidrográfica. Essa iniciativa é complementada por um programa ambicioso de compra de terras pela administração pública e na compensação aos proprietários por servidão de uso.
No Brasil, existem igualmente iniciativas que visam tratar a questão da água com uma visão sistêmica, como por exemplo o programa “Cultivando Água Boa” realizado pela Itaipu Binacional em torno da represa que está sendo contaminada e assoreada pelas atividades agrícolas, industriais e pelos esgotos urbanos, causa principal para o processo de eutrofização do lago. Da mesma forma, existem iniciativas municipais, como a do município de Extrema (MG), por meio do programa “Conservador de Águas” iniciado em 2005. O programa plantou mais de 754.000 árvores nativas da região, 500 nascentes recuperadas e mais de 7.300 mil hectares de áreas de proteção permanente (APP) e de reserva legal (RL) foram protegidas por 187,5 mil metros lineares de cercas. A iniciativa recebeu em 12 anos cerca de R$ 10 milhões em investimentos públicos por meio de 180 contratos assinados com os agricultores remunerando pelos serviços de preservação e proteção das nascentes.
O tema do acesso à água é dos temas centrais da problemática e da agenda ambiental e serve de argumento para disputas ideológicas, políticas e corporativistas que razoavelmente conseguem evidenciar o conflito, mas são tímidas e inócuas quando se trata de buscar solução no médio e longo prazo. O debate fica truncado e reduzido, de um lado, os defensores da privatização dos serviços (e não da água), na medida e que a água é um bem de domínio público, é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, conforme o expresso na Lei 9.433/97. E do outro, a exigência da manutenção dos serviços pelo Estado, sob a alegação da mercantilização de bens da natureza e da transferência de patrimônio público para os agentes privados. Entretanto, a população almeja e cobra a disponibilização e melhora na qualidade dos serviços, mas esse debate quase sempre é secundário.
Por Eliziário Toledo