O termo “agricultura familiar” começou a surgir no debate do desenvolvimento rural no Brasil no início da década de 90, especialmente, a partir dos trabalhos de pesquisa dos pesquisadores José Eli da Veiga em 1991 e de Ricardo Abramovay em 1992. Além disso, a publicação do estudo FAO/INCRA, publicado em 1994, para citar algumas das principais referências sobre o tema. Estes estudos e publicações foram cruciais para a discussão, que auxiliaram na elaboração do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1996.
Contudo, o debate e a negociação encampados, especialmente, pelo movimento sindical dos trabalhadores rurais com o governo federal, focou esforços na preocupação central em criar critérios de enquadramento dos “agricultores familiares” nas operações de crédito do programa de crédito rural. Dessa forma, a prioridade teve a ver muito mais com negociação política, do que elaborar pressupostos teóricos destinados a criar um conceito mais preciso.
O PRONAF adotou o recorte do tamanho da propriedade ou posse, o percentual mínimo de renda oriunda da atividade agropecuária, o local de residência, a limitação da contratação de empregado e o uso e gestão da mão de obra familiar. Estes elementos auxiliaram a consolidar no imaginário, uma noção aceita quase como se conceito fosse, o que não é. De todos os critérios elencados, apenas um é econômico. O uso e a gestão da mão de obra familiar, talvez seja o principal ponto de partida, para a discussão e formulação do conceito.
Dessa forma, passados quase 30 anos do surgimento da expressão “agricultura familiar” no Brasil, se torna urgente refletir e empreender esforços, a fim de formular de um conceito mais elaborado e preciso. Nesta perspectiva, Navarro e Pedroso, em um trabalho publicado em 2011, enfatizaram a necessidade de criar uma agenda de pesquisa consistente, adotando o rigor metodológico na busca de evidências empíricas nas diferentes regiões brasileiras.
Além disso, os resultados de pesquisa devem se apoiar em um robusto arcabouço teórico e analítico, a fim de captar e representar a diversidade e a complexidade das regiões rurais brasileiras, que estão sob um conjunto expressivo de transformações, concretizadas, especialmente, a partir de década de 90.
Desse modo, seria possível mencionar as diferentes formas familiares de produção agropecuária e a diversidade e lógicas internas. Dessa forma, seria possível revelar os modelos adotados na construção dos processos decisórios dos agricultores, ao considerar o grau de mercantilização da agricultura e a monetarização da vida social, articulado à emergência com
a necessidade em acessar mercados como estratégia de geração de renda, necessários manutenção familiar e do próprio estabelecimento.
Todos esses elementos são vitais, inclusive, para exigir do Estado, políticas consistentes de apoio e proteção, para além da simples oferta de crédito, que na maioria das vezes, fragiliza ainda mais, os que já estão em situação de fragilidade, e a exclusão é apenas uma questão de tempo.
Navarro e Pedroso, ao analisar empiricamente os “agricultores familiares” das regiões rurais brasileiras, ressaltam a necessidade de considerar, igualmente, as similaridades dos padrões de sociabilidade capitalista (a busca do lucro como primeira prioridade), e a sua incontrastável verificação acerca da hegemonia deste fenômeno que perpassa, praticamente, todos os rincões rurais do país. Além disso, devem-se considerar a expressão assalariamento rural, as condições de oferta de mão de obra dos estabelecimentos rurais e as possibilidades de acesso aos mercados consumidores.
Estes fenômenos, entre outros, devem ser estudados na perspectiva da importância que os aspectos econômicos vêm desempenhando na viabilização da agropecuária brasileira, e que na maioria das situações, é francamente desfavorável aos agricultores com menores condições produtivas e econômicas. Este processo representa um risco potencial, especialmente para os quase três milhões de estabelecimentos de “agricultores familiares” em situação de vulnerabilidade social e produtiva, que necessitam muito mais do que a oferta de crédito.
Contudo, a realidade parece indicar que os sistemas produtivos da agricultura, insistem em anunciar que já não necessitam mais de uma parte expressiva de agricultores.
Eliziário Toledo
Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018).