Agricultor é condenado por coação após ameaçar procurador da República de Erechim

Caracteriza crime de coação no curso do processo usar de violência ou grave ameaça para favorecer interesse próprio ou alheio contra autoridade ou qualquer pessoa que intervenha em processo judicial, policial ou administrativo, como prevê o artigo 344 do Código Penal.

Por isso, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou um agricultor por ameaçar, por telefone, servidores do Ministério Público Federal de Erechim durante uma discussão sobre demarcação de terras indígenas. O réu foi condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restrição a direitos, e ao pagamento de multa.

Conforme o site ‘Consultor Jurídico’, o fato que deu origem à denúncia do MPF ocorreu no dia 27 de setembro de 2013, quando o secretário da Associação dos Agricultores de Sananduva (RS) ligou para a Procuradoria da República sendo atendido por um servidor federal. O agricultor queria informações sobre parecer do MPF a respeito de um documento apresentado pelos produtores, cujo teor contesta o laudo antropológico da Fundação Nacional do Índio (Funai), favorável à demarcação.

O servidor federal, por orientação da Procuradoria da República, informou ao agricultor que o MPF só iria se manifestar sobre o documento após a apresentação do parecer ministerial na ação popular que trata do processo demarcatório.

Segundo os autos, o agricultor teria insistido com o servidor, alegando urgência, já que o então ministro da Justiça estaria aguardando o documento para invalidar a portaria que declarou a área como indígena. O servidor então reafirmou que o parquet só se manifestaria no processo judicial.

Contrariado e exaltado, o agricultor reclamou de que o MPF ‘‘traiu a confiança’’ dos produtores rurais de Sananduva, pois assumira o compromisso de rever o ato de demarcação. Afirmou ainda que o órgão sabia que a demarcação da área indígena ‘‘está baseada numa mentira’’. Disse também que, a depender do resultado da reunião em Brasília, os agricultores estariam dispostos a ‘‘tomar conta’’ do prédio da Procuradoria e a ‘‘caçar’’ o servidor com quem conversava e o procurador responsável pelo caso. ‘‘A demarcação não sairá, ainda que seja preciso derramar o sangue de vocês e dos agricultores, que não têm nada a perder’’, teria afirmado, segundo os autos.

In dubio pro reo

O juiz substituto Luiz Carlos Cervi, da 1ª Vara Federal de Erechim, não viu nas manifestações do denunciado uma ‘‘grave ameaça’’ aos servidores do MPF, gerando dúvida sobre o dolo da conduta. Com o in dubio pro reo, o juiz o absolveu com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal — insuficiência de provas para embasar uma condenação.

Segundo o juiz, o processo mostra, claramente, que havia uma situação de beligerância entre agricultores e indígenas à época dos fatos narrados na denúncia do MPF. Entretanto, apesar da amplitude do contexto probatório, entendeu que as ‘‘condutas materiais’’ efetivamente demonstradas nos autos ‘‘passam ao largo’’ do conceito de grave ameaça. Segundo o juiz, o esbravejamento do réu, acompanhado de postura desafiadora, trazia, no máximo, um tom genérico de ameaça, dotado de núcleo incerto.

‘‘Além disso, a menção a um ‘provável derramamento de sangue’, na linha dos depoimentos prestados pelas testemunhas, estava relacionado a um iminente conflito entre os agricultores e indígenas, já que os produtores rurais estavam dispostos a lutar contra os índios por suas terras até as últimas consequências, pois não tinham mais nada a perder, e não, em absoluto, contra as autoridades constituídas (notadamente o Ministério Público), com quem possuíam uma via aberta de negociação’’, justificou na sentença.

Ameaça grave e real

No entanto, o relator da apelação na 7ª Turma do TRF-4, desembargador Márcio Antônio Rocha, viu gravidade no fato, pois as ameaças levaram o MPF a tomar precauções adicionais para garantir a segurança do procurador. Além do reforço na escolta, por duas semanas, ele teve de pedir adiantamento de férias e, por fim, abandonar a Procuradoria da República em Erechim.

‘‘Como visto, ao contrário da sentença, entendo que tais manifestações são dotadas de concretude sobre a ocorrência de um mal futuro, tanto que, se assim não o fosse, não teria havido toda uma mobilização da estrutura de segurança do Ministério Público Federal em Erechim/RS, para proteger das graves ameaças direcionadas às vítimas e à própria Instituição. A ameaça também se configura quando réu manifesta que a violência seria praticada por terceiro a partir das percepções do réu’’, complementou.

Conforme o relator, as declarações do servidor e do procurador do MPF se mostraram coerentes, firmes e harmônicas, o que motiva a prevalência em detrimento da palavra do acusado. ‘‘A palavra da vítima, em hipóteses de crimes cometidos de forma velada, é de extrema valia e permite a formação de um juízo condenatório, na medida em que o seu único interesse é apontar o verdadeiro autor do fato criminoso, narrando sua respectiva atuação’’, afirmou ao reformular a sentença.

Por Salus Loch