Em um dia desses de fim de ano, uma erechinense pegou suas trouxas, entrou no ônibus e foi-se embora para o nordeste. Nada contra o nordeste, vejo que o Sertão guarda suas belezas singulares, e destas terras áridas brotam as mais esplêndidas obras literárias brasileiras.
Do campo pequeno até as terras paulistas, a paisagem se transforma tão rápido quanto as nuvens levadas pelo vento nesta primavera, e quanto mais ela subia no mapa do nosso país, uma ausência também, tão rápida quanto as nuvens, se convertia em saudade.
Alguns cidadãos hão de dizer que a geografia é só mais uma disciplina tediosa da escola. Ah! Mas nunca saiu de Erechim para sentir? A nostalgia das nossas terras de pinheiros que invadem o peito do mais juvenil, aos veteranos desta cidade. Talvez se na escola, tivessem o que chamamos de “pedagogia situada”, um conceito do velho Freire (nosso patrono da educação), que é dialogar com a realidade que as pessoas encontram-se, em vez de contar o poema da Canção do Exílio, que diz “Minha terra tem palmeiras”, encaixa-se melhor a adaptação de Simone Martins, em sua releitura “Minha terra tem pinheiros”…
Quem nasceu nessa cidade sempre teve uma silhueta em sua paisagem, ao tirar fotografias de si e das pessoas que ama, até nas pinturas mais antigas de quando não havia câmera, o contorno de um pinheiro guardará suas memórias mais íntimas, engraçadas e felizes.
Um grande pinhal, exuberante, alimenta e abraça os pássaros e seus ninhos, dá ao gaúcho erechinense uma de suas culinárias que é tradição, o pinhão, um pouco de sal e um fogão a lenha. O pinheiro nasce, demora para crescer, mas quando cresce, invade a paisagem da minha janela, faz-me lembrar da remota infância onde brincávamos entre os pinheiros, e talvez até fazia chorar se pisasse em uma pinha.
É, a geografia está na identidade pessoal e coletiva da sociedade, brincando, observando, narrando, questionando e construindo significados sobre as relações do homem e da mulher no e com o mundo[1], mas ainda assim, mesmo o pinheiro sendo o melhor amigo das memórias afetivas dos erechinenses, temos um problema em nossa cidade.
Já ouviram a frase “a gente só percebe que a comida não tem sal, quando ele falta”? É a mesma coisa de subir para o nordeste e não ver mais os pinheiros, pois não faz mais parte daquele tipo de vegetação, logo, se torna ausente.
Também, esse ditado popular (na língua portuguesa mais formal, chamados de provérbios) se tornará real se o desmatamento continuar acontecendo, pois “A Floresta Ombrófila Mista ocorria nas porções mais elevadas do Planalto Rio Grandense, visto que na atualidade o pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia) marca da fisionomia dessa região, encontra-se em processo de extinção devido ao constante corte para uso de sua madeira, associado aos diferentes usos do solo efetivados na região de Erechim”[2], já pensou o pinheiro ser extinto em todas as suas fotografias e paisagens?
São memórias que não voltam. É o meio-ambiente que não perdoa. Será uma eterna viagem para lugar nenhum, onde a natureza não se encontra mais, nem no nordeste, pois lá essa vegetação não existe, nem no sul, pois a ganância humana venceu e extinguiu com a beleza, a memória, e o ninho dos pequenos pássaros que algum dia iam nascer, mas não vão mais.
Entre aspas
Você sabia que vários logotipos que existem em nossa cidade são representações/ilustrações de pinheiros? É exatamente por eles serem um referencial e uma marca da nossa região, o logotipo do Parque Longines Malinowski e o do Observatório Geográfico da Fronteira Sul são exemplos disso.
Kaylani Dal Medico.
Discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFFS Erechim.
Bolsista do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação
kaylanidalmedico@hotmail.com
[1] Bugs, Gabriele. A geografia escolar na formação inicial de professora(e)s de pedagogia da UFFS Campus Erechim: avaliação, construções e aproximações entre áreas do conhecimento. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Licenciatura em Pedagogia) – Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim, 2022.
[2] Informação retirada do Observatório Geográfico da Fronteira Sul, NETAP – Núcleo de Estudos Território, Ambiente e Paisagem. Disponível em: https://observatoriogeouffs.wordpress.com/vegetacao-2/ Acesso em: 22 out. 2024.