A temática ambiental e a relação com os destinos da agricultura são assuntos eivados de polêmicas, por vezes, até parece que a agricultura tenha pouca relação com o meio ambiente. A contribuição do sociólogo rural francês Bertrand Hervieu é reveladora ao antecipar as rupturas ocorridas na agricultura por meio das influências da modernização.
A primeira ruptura ocorre entre agricultura e alimentação: o agricultor produz a matéria-prima, mas é a indústria quem produz o alimento para os consumidores, desse modo, os agricultores não são reconhecidos e nem percebidos no processo produtivo.
A segunda ruptura é a cisão entre agricultura e território, ou seja, somente regiões com vantagens competitivas interessam à produção; outras são marginalizadas e aumenta as desigualdades regionais.
A terceira é a relação estabelecida entre a agricultura com o meio ambiente, ou seja, a harmonia entre o agricultor e a natureza se rompe, a terra vira um ativo da produção e vale pelo que produz e rende e se torna meio de produção. Além disso, a tecnologia viabiliza a produção de quase de tudo em quase todos os lugares.
A quarta ruptura é o rompimento da ordem demográfica na medida em que a população economicamente ativa agrícola diminui, mas a população rural cresce; o espaço rural se diferencia da atividade agrícola, pois “nem todo morador do rural é um agricultor”.
E por último, a ruptura da unidade familiar que ocorre por meio da especialização produtiva que tende a gerar a individualização e a masculinização da agricultura; agravada pela busca-se renda fora da agricultura (em atividades não-agrícolas).
Contudo, um tema vem sendo fortemente ampliado, a relação da agricultura com os impactos ambientais, a forma de como os alimentos são produzidos e os reflexos consequentes na saúde dos consumidores e do planeta. Essa preocupação tem aumentado a busca de qualidade, origem e segurança dos alimentos, e que já está repercutindo nas formas de conduzir a produção agrícola que deve agregar o componente ambiental, que não se trata mais de um modismo, mas de uma necessidade, que inclusive pode agregar valor econômico à produção.
Dessa forma, chega a soar no mínimo bizarro a proposta de extinção das competências do Ministério do Meio Ambiente ao condicioná-las aos interesses exclusivos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Essa visão equivocada irá liquidar por completo as possibilidades da agricultura brasileira em agregar e incorporar os componentes da prudência e proteção ambientais, que acredito ser o grande diferencial para ampliar e consolidar mercados distintos para os produtos agrícolas brasileiros.
É preciso enfatizar que o Brasil é reconhecido, apesar da quase ausência de políticas e de investimentos no segmento, o país ainda é um possuidor de grande biodiversidade biológica e foi referência no controle do desmatamento, reduzindo de 29.000 km quadrados para cerca de 4.000 km quadrados nas últimas décadas.
Devemos lembrar ainda que o país já foi alvo de restrições alfandegárias por motivos ambientais e de segurança nas exportações do segmento da soja, carne e laranja. Além disso, a preocupação em atender essas demandas não deve ser restrita ao mercado externo, mas de igual modo, na adoção de cuidados na produção de alimentos para o consumo interno visando atender os atributos de qualidade, segurança e cuidados com uso dos recursos naturais.
Outro aspecto, com a aprovação do novo Código Florestal em 2012 (Lei 12.651/12) em que 12 milhões de hectares de áreas de proteção permanente foram anistiados, mas que a partir da execução do Cadastro Ambiental Rural (CAR) será possível ter informações do tamanho do passivo e ativo ambiental dos estabelecimentos rurais.
Essas informações serão a base para compor o Programa de Recuperação Ambiental (PRA), ou seja, na formulação de projetos de recuperação das áreas de Reserva Legal e das Áreas de Proteção Permanente e de Uso Restrito por meio de um conjunto de ações ou iniciativas a serem desenvolvidas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental de cada imóvel rural, que poderão ser efetivadas mediante recuperação, recomposição, regeneração ou compensação.
O prazo para os proprietários rurais aderirem ao Programa termina em 31 de dezembro de 2017, juntamente com o prazo final para o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ao aderir ao programa os agricultores terão acesso ao crédito rural garantido, na medida em que o PRA será exigido pelas instituições financeiras para a liberação do crédito rural.
Por fim, cabe salientar que a opção em extinguir os órgãos de proteção ambiental (o Ministério de Meio Ambiente) é um retrocesso, pois o desenvolvimento das atividades agrícolas depende radicalmente da preservação e manutenção dos ativos ambientais. Por outro lado, reforça a ideia de que a agricultura é um setor atrasado, mas essa visao não representa o conjunto majoritário do segmento.
Eliziário Toledo: Sociólogo, mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS – 2009), doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS-UnB – 2017), mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS – 2018).