A EDUCAÇÃO E O TRÂNSITO

Falar em trânsito nos remete, muito provavelmente, numa primeira mirada sobre  assunto, a veículos. E por que não a pessoas que, quando o assunto é trânsito, são chamadas de pedestres? A ênfase nos veículos automotores é um sintoma de um dos principais desafios da vida das cidades nos dia de hoje. De tanto termos carros particulares, tornamos o trânsito quase intransitável. E isso que o trânsito de Erechim é muito bom perto de outros contextos.

Tive recentemente experiências de trânsito em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Chapecó. Na capital paulista, era dia de chuva e tinha que ir do aeroporto de Guarulhos até o de Congonhas. Simplesmente, não anda. Para e arranca. O motorista do aplicativo estava resignado: “é assim mesmo”, disse. Horas e horas para percorrer distâncias relativamente pequenas. Na capital mineira, não foi muito diferente, um cenário complicado em qualquer horário, no qual se misturavam o volume de veículos e obras para tentar melhorar o fluxo (ainda que durante sua execução façam exatamente o contrário).

Em Porto Alegre, a coisa também não anda. Vias esgotadas, binários paliativos e muita correria no dia a dia em busca do direito de ir e vir. Ao morar em Erechim já a quase quinze anos, me desacostumei um pouco com esse ritmo que altera a rotina. Tenho convicção de que andar 10 ou 20 minutos para o destino é quase um privilégio. Em Chapecó, os horários de movimento nas rotatórias também exigem cuidado e uma dose de paciência.

Muito do nosso problema de trânsito, que já atinge desde as cidades médias, é decorrência de um certo modelo de mobilidade, extremamente dependente do transporte individual. Nos lugares do mundo onde o transporte coletivo de cargas e passageiros(as) é mais bem disposto, os problemas de trânsito são infinitamente menores. Assim como os seus impactos em termos de poluição, acidentes e estresses. Como é salutar um sistema de metrô que funcione bem, assim como, em condições adequadas, o transporte fluvial.

Se não pensamos em pessoas, também não pensamos muito em transportes outros fora dos automotores. A bicicleta, por exemplo, é transporte e exercício físico. Andar de bicicleta pelas ruas de Erechim é uma aposta relativamente perigosa, pois nos falta estrutura que garanta a circulação segura dos(as) ciclistas. A cidade deveria ser sempre pensada para as pessoas, não para os carros. Pessoas usam carros, não devendo ser usadas por eles.

Outra possibilidade de avanço na mobilidade urbana é a qualificação do sistema de ônibus. Um serviço demorado, caro e sem conforto e segurança não é atrativo. Vivemos a época dos aplicativos, o que também ajuda a transbordar as ruas de carros. Veja o paradoxo do sistema: somos interpelados(as) a ter carro particular, seja pela ineficiência do transporte público, seja por status. Contudo, se cada pessoa tiver o seu próprio carro, ninguém consegue andar.

Diante do trânsito, também emergem outras questões ligadas a comportamento. Sendo um espaço coletivo por natureza, as pessoas na condição de motoristas ou pedestres revelam sua índole. Certamente, o trânsito também é uma questão de educação, de convivência, de respeitar as regras, os(as) outros(as) e a si mesmo(a). Quantos exemplos que conhecemos de pessoas que se transformam ao volante? Quanto nós, cada um e cada uma, também age de uma forma mais agressiva no trânsito?

Vivemos uma sociedade em que o tempo é dinheiro, em que estamos sempre correndo, sem tempo e com preocupações. O carro, transporte e conforto, pode se transformar em uma arma. Ele é o remédio, mas pode ser o veneno. A diferença é o uso que fizemos. Por isso, mais uma vez, a educação para a convivência e a própria questão específica do trânsito, como problema coletivo, devem ser assuntos do currículo escolar.  Não para ensinar a dirigir, pois para isso tem autoescola, mas, sobretudo, para ensinar a conviver. O trânsito é uma questão de ética.

Entre aspas

Sabiam que Erechim tem uma frota de quase 88 mil veículos, segundo dados publicados[1] em janeiro de 2024? Considerando que somos 106 mil habitantes, convenhamos, há muitos carros pelas ruas. Como capital regional, recebemos pessoas de outros municípios, aumentando esse quantitativo.

É inegável, assim, que o trânsito é assunto importante para a nossa cidade. Campanhas educativas são sempre bem-vindas sobre esse tema. Conforme aquela antiga propaganda, “no trânsito somos todos pedetres”.

Thiago Ingrassia Pereira

Professor da UFFS Erechim

Coordenador do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

thiago.ingrassia@uffs.edu.br

[1] https://jornalboavista.com.br/erechim-tem-uma-frota-de-87-928-veiculos-segundo-os-dados-do-ibge-e-do-detran-rs/

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