A cada hora, um foragido foi preso no RS por Brigada Militar e Polícia Civil em 2023

Foram 8.896 prisões no ano passado, enquanto, em 2022, tinham sido 7.675. BM realizou a maior parte das recapturas

No ano passado, ao menos um foragido foi recapturado por hora no Rio Grande do Sul. Os números representam a média dessas prisões realizadas por Brigada Militar e Polícia CivilEm 2023, foram 8.896 presos neste contexto, o que indica aumento de 15,9% no comparativo com o ano anterior. Em 2022, tinham sido 7.675 recapturas de pessoas procuradas pelas polícias. Os dados integram os indicadores de atividades da Secretaria da Segurança Pública do Estado.

Chefe da Polícia Civil, o delegado Fernando Sodré explica que as prisões se dão em diferentes situações. Ele atribui o aumento desse tipo de captura por parte da instituição ao trabalho de investigação, com intuito de rastrear o paradeiro dos foragidos.

— Alguns, quando têm a prisão decretada, já se evadiram, alguns entram na condição de foragidos por estarem presos e ganharem algum benefício judicial e aproveitar para fugir. Outros ficam na condição de foragidos, desde que praticam o crime, e a decretação da prisão vem depois. Na Polícia Civil, temos um trabalho de investigação sobre esses indivíduos, buscando capturá-los. Vários foram presos, inclusive em outros Estados, Nordeste, Norte, Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde vamos buscar esses foragidos — ressalta.

Em julho do ano passado, por exemplo, a polícia gaúcha prendeu em São Paulo Marizan de Freitas, 35 anos, apontado como líder de uma facção no RS. Ele havia sumido da residência de luxo onde vivia em Capão da Canoa, no Litoral Norte, após obter direito à prisão domiciliar humanitária para realizar uma cirurgia. 

Duas semanas após ser recapturado, conquistou novamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito a ir à prisão domiciliar humanitária, em razão da comprovação do “quadro debilitado de saúde do sentenciado”. A pedido do Ministério Público, a Justiça de Parobé, no Vale do Paranhana, revogou o benefício. Em setembro, segundo a polícia, teve decretada nova prisão preventiva pela vara especializada em crime organizado, numa investigação sobre lavagem de dinheiro.

Também em julho, condenado a mais de 240 anos de prisão, Sandro Alixandro de Paula, o Zoreia, 40 anos, foi preso numa ação conjunta da Polícia Civil gaúcha e paraense. Foi capturado numa ilha em Belém do Pará. Zoreia é conhecido por ter sido o segundo preso da história a escapar da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Em fevereiro, o criminoso havia rompido a tornozeleira eletrônica quando cumpria pena em prisão domiciliar humanitária para tratar de questões de saúde. Quando foi preso, era considerado o principal foragido do RS.

Em janeiro do ano passado, a troca de informações entre a Brigada Militar do RS e a polícia militar do Espírito Santo permitiu recapturar outro foragido gaúcho. Diego Moacir Jung, o Dieguinho, foi preso num posto de combustíveis em Vila Velha, cidade vizinha a Vitória. Ele é suspeito de envolvimento em assaltos a banco no RS e já esteve entre os líderes de facção enviados para penitenciárias fora do RS, mas retornou em 2019. Condenado por envolvimento em roubos a banco com uso de explosivos, usava tornozeleira eletrônica, quando rompeu o aparelho em abril de 2022 e fugiu para o litoral capixaba.

BM fez maioria das prisões

BM em buscas a foragido na zona sul de Porto Alegre em julho do ano passado.André Ávila / Agencia RBS

A Brigada Militar, que atua no policiamento ostensivo nas ruas, foi a responsável por recapturar a maior parte dos foragidos no Estado em 2023. Dos 8.896 presos no ano passado nessa condição, foram 8.034, ou seja, 90,3% localizados pelos policiais militaresSomente em janeiro deste ano, a BM prendeu mais 606 foragidos no RS, conforme o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Douglas Soares.

— O critério para deixar que apenados saiam temporariamente do cumprimento de suas penas tem que ser mais apurado. Em muitos casos nos quais deparamos com alguns indicadores altos em determinada região, como roubos a pedestres, furtos de veículos, constatamos que, quando flagramos alguém, já era foragido. Normalmente, o foragido é pego cometendo outro crime. Se a BM tiver que prender 10 vezes a mesma pessoa, vamos prender. Mas estamos fazendo um retrabalho. É alguém que já deveria estar preso — avalia o oficial.

Em fevereiro do ano passado, a BM prendeu na zona norte de Porto Alegre um suspeito de ter matado uma idosa durante um assalto. Adriano Cristiano da Silva, 50 anos, estava foragido. Em 24 de janeiro, o apenado — condenado por roubo e estupro — havia recebido direito à saída temporária pelo período de três dias para visitar familiares. No entanto, não retornou à cadeia.

Menos de um mês depois, foi preso na Capital após atacar Tatiana Topala, 63, com uma faca na Avenida São Pedro, no bairro São Geraldo. A vítima estava seguindo para a rodoviária, onde pretendia embarcar num ônibus para o Litoral Norte e encontrar familiares. Atingida no abdômen e no peito, chegou a ser hospitalizada, mas não resistiu. Em maio do ano passado, Silva foi condenado pelo latrocínio a 27 anos e dois meses, em regime fechado, e segue preso.

— Acho que é importante haver uma coordenação não só entre as polícias, mas também junto ao MP e ao Judiciário, para que  a gente possa cada vez mais compreender esse fenômeno e tomar medidas para que se reduza essa evasão jurisdicional de alguns condenados ou alguns presos. Para que evitem de entrar numa condição de foragido e levem às polícias a esse trabalho de recaptura, muitas vezes, de indivíduos que poderiam já estar presos ou não receber determinados benefícios, principalmente aqueles que praticam crimes mais graves — avalia Sodré.

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas do Ministério Público do RS, a promotora Alessandra Moura Bastian da Cunha entende como “extremamente importante o aumento do número de recapturados pela BM e PC no ano de 2023”.

— Sem dúvida, é um elemento importante no combate à criminalidade como um dos eixos de atuação de uma política de segurança pública eficiente — afirma.

Saídas temporárias em debate

No início deste mês, a Comissão de Segurança Pública do Senado aprovou um projeto de lei que proíbe a chamada “saidinha”, benefício que permite a saída temporária de presos em datas comemorativas. A pauta foi apresentada em consenso com os demais senadores. A matéria vai ao plenário.

A autorização é dada aos detentos que tenham cumprido ao menos um sexto da pena, no caso de primeira condenação, e um quarto, quando reincidentes. As “saidinhas” ocorrem até cinco vezes por ano. O projeto prevê também a exigência de exames criminológicos para progressão de regime e o monitoramento eletrônico dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto.

Sobre a concessão das saídas temporárias, o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul enviou nota, na qual afirma que esse é um direito previsto na Lei de Execuções Penais para quem esteja em regime semiaberto que não cumpra pena por crime hediondo com resultado morte e preencha determinados requisitos. “Trata-se de direito garantido apenas aos que já se encontram em regime mais abrandado de pena e que visa à gradual reintegração do preso na sociedade”, afirma a nota (confira abaixo na íntegra).

O colunista Humberto Trezzi mostrou em janeiro em GZH que, dos últimos quatro anos, o Natal de 2023 foi o que menos teve fugas de presos liberados para visitar suas famílias — na chamada Visita Periódica ao Lar. Dos 1.073 presos liberados para visitar familiares na semana entre o Natal e o Ano-Novo, apenas 15 não retornaram e passaram a ser considerados foragidos (1,4%). Em 2020, 436 presos foram liberados e 21 não retornaram (5% do total). Em 2021, 1.104 foram liberados e 46 não retornaram (4%). Em 2022, 1.028 foram liberados e 20 não retornaram (2%).

Confira a nota na íntegra do  Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

A saída temporária é um direito previsto nos artigos 122 a 125 da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/1984) para pessoas privadas de liberdade em regime semiaberto que não cumpram pena por praticar crime hediondo com resultado morte e preencham determinados requisitos. Trata-se de direito garantido apenas aos que já se encontram em regime mais abrandado de pena e que visa à gradual reintegração do preso na sociedade.

A autorização poderá ser concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos requisitos previstos no artigo 123 da Lei de Execuções Penais. Neste exame, devem ser observados parâmetros legais cogentes, bem como o princípio constitucional da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI), também previsto nos artigos 34 e 68 do Código Penal e artigo 5º da Lei de Execuções Penais. Conforme este princípio, a pena deve ser individualizada nos planos legislativo, executório e judicial, levando em consideração as particularidades de cada caso concreto, de cada crime e de seu autor.

Considerado o contexto normativo acima descrito, as decisões proferidas pelo Poder Judiciário concedendo a saída temporária, respeitada a discricionariedade de cada julgador, são prolatadas em atenção às hipóteses de cabimento previstas em lei e com observância aos limites impostos pelo legislador, em estrito cumprimento, portanto, à legítima opção realizada pelo Parlamento quanto ao tema.

Ademais, as referidas decisões concessivas são sempre justificadas em consideração às circunstâncias específicas de cada caso concreto, o que, além de caracterizar observância a princípio da individualização da pena, atende à obrigação, prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal, de que todas as decisões do Poder Judiciário sejam fundamentadas, sob pena de nulidade”.

Fonte: Gaúcha ZH