A difícil agenda ambiental

Por Eliziário Toledo

Quando o novo Código Florestal foi aprovado, a Lei 12.651 de 25 de maio de 2012, previa que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) deveria realizado no prazo de um ano, e poderia ser prorrogado por mais um ano, ou seja maio de 2016, e foi o que ocorreu. Depois o prazo foi esticado até 31 de dezembro de 2017, contudo, não foi suficiente para cumprir a tarefa, e a última data para a realização do cadastro foi esticado mais uma vez até 31 de maio de 2018, e posso apostar que os cerca de 70 dias restantes, não serão suficientes, pois ainda faltam 355.915 estabelecimentos rurais para completar todos os 5.175.489, registrados no Censo Agropecuário de 2006. A sucessiva dilatação de prazo revela, de um lado, a falta de razoabilidade da própria lei, e do outros, enseja que as leis quase sempre são meras sugestões, dignas de não serem levadas a sério. Essa “virtude” caracteriza em grande parte, a complacência contumaz que rege a sociedade brasileira. Tudo o que deveria ser, no fundo não é. O resultado disso já sabemos, a perda quase total da credibilidade nas instituições.

A aprovação da Lei 12.651/12, por si só representou um notável exercício pedagógico de paciência e negociação política no Congresso Nacional. Não foi o melhor dos mundos,  mas foi o que era possível. As disputas ocorreram de forma polarizada entre a agricultura patronal e familiar interessadas em retirar de ilegalidade ambiental os milhões de estabelecimentos rurais, e a ala dos ambientalistas que defendiam a permanência da Lei 4.771/65, o antigo Código Florestal, alegando a legalização dos crimes ambientais praticados antes de julho de 2008, e ao mesmo tempo retirada de proteção legal aos ativos ambientais existentes, e a ampliação dos desmatamentos. De qualquer sorte, entre avanços e recuos foi possível elaborar um texto que minimamente atendesse as expectativas de ambos os lados.

Mesmo assim, as críticas e as contestação resultaram em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), votadas Supremo Tribunal Federal (STF) no ultimo dia 28 de fevereiro, reconhecendo a validade de vários dispositivos da lei, tais como a anistia aos que realizaram desmatamento antes de 2008, mantiveram o artigo que autoriza a redução de reserva legal de 80% para 50% na região Amazônica, proibiram a compensação ambiental em áreas muito distante do estabelecimento que deve ser compensada em área com a mesma identidade ecológica, entre outras. Deve-se ressaltar que o escore no STF estava empatado, e foi o voto do ministro Celso de Melo quem salvou o novo Código Florestal no último minuto.

A aprovação do novo Código Florestal, era um desejo, do mesmo modo, do governo federal interessado em criar mecanismos para resolver a querela, especialmente em se tornar protagonista nos fóruns internacionais de propostas e de ferramentas para o planejamento ambiental e econômico no controle do desmatamento ilegal. Dessa forma o CAR se constituiu em uma das estratégias da Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC) do Brasil e apresentada na Conferencia das Partes (a COP 21) realizada em Paris em 2015.

Na ocasião, o Brasil apresentou proposta para restaurar e reflorestar cerca de 12 milhões de hectares de florestas até 2030, coisa para inglês ver na medida em que o Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg), lançado por meio da Portaria Interministerial nº 230, de 14 de novembro de 2017 emitida conjuntamente pelos Ministérios Meio Ambiente, da Educação, da Agricultura Pecuária e Abastecimento e da Casa Civil da Presidência da República não contou com um único real do orçamento para realizar as ações. Dessa forma, a empreitada de restaurar os 12 milhões de floresta é um devaneio, se considerarmos os recursos que foram efetivamente pagos pelo Orçamento Federal em 2017 para o segmento rural. A organização agrária recebeu 0,07%, a agricultura ,0,62% e a gestão ambiental, 012%, (total de 0,81% do orçamento geral). O percentual de recursos para essas áreas em termos do Estado e para os municípios não ficam muito longe disso, dessa forma, não é de admirar que agenda ambiental não evolua positivamente.

Outro dispositivo previsto no Código Florestal de 2012 está expresso no artigo 41 ao autorizar o Poder Executivo Federal a estabelecer programas de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, a adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal. As iniciativas poderiam ser efetivadas por meio de pagamento ou incentivo a serviços ambientais, do sequestro e diminuição do fluxo de carbono, a conservação da beleza cênica natural, a conservação da biodiversidade, a conservação das águas e dos serviços hídricos, a regulação do clima, a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico, a conservação e o melhoramento do solo, a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.

Além disso, os agricultores poderiam obter crédito rural agrícola, com taxas de juros menores, limites e prazos maiores das existentes para realizar investimentos, contratar seguro agrícola em condições melhores, deduzir das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, a fim de gerar créditos tributários, destinar parte dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso da água, para a manutenção, recuperação ou recomposição das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito na bacia de geração da receita, entre outras iniciativas previstas no Código Florestal. Contudo, isso é letra morta, ou ainda, uma mera sugestão como dito no início, em face a inoperância dos governos e a imobilidade social das organizações dos agricultores, por vezes, especializadas apenas na eclosão de conflitos, mas são quase nulas quando se trata de apresentar propostas e ações concretas junto aos agricultores, e do mesmo modo, localizar e ampliar nos orçamentos públicos os recursos necessários para financiar adequadamente tais alternativas.

O partir do diagnóstico do CAR, este poderia se constituir em uma possibilidade razoável para construir uma ferramenta eficaz de gestão ambiental se parte das alternativas acima elencadas pudessem ser utilizadas, a fim de viabilizar a implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA). Esses fatores auxiliariam a estabelecer outra relação entre a produção agropecuária e os cuidados com os ativos ambientais, como instrumento na oferta de segurança jurídica aos agricultores e arranjo para o Estado em gerir e controlar o seu território, coisa que quase sempre esteve no gênero da sugestão e da promessa não cumprida.

A adesão ao PRA deve ocorrer um ano após o prazo de realização do CAR, ou seja, maio de 2019, podendo ser prorrogado por mais um ano. O Projeto de Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas irá necessitar de projeto técnico detalhando as ações de recuperação a serem desenvolvidas e do termo de compromisso do agricultor exigido pelo órgão ambiental. O prazo para a execução das ações de recuperação deverá ser concluída em até vinte anos, abrangendo, a cada dois anos, no mínimo um décimo da área total. O descumprimento das ações previstas no projeto acarretará a perda dos benefícios previstos no Código Florestal, ou seja a anistia das multas pelo desmatamento ilegal anterior a 2008.

Se as medidas para a realização das ações previstas no PRA não forem acompanhadas de incentivos econômicos, orçamento compatível para assistência técnica, investimentos e disponibilização de insumos, especialmente mudas, o programa será apenas mais uma promessa não cumprida mantendo a velha tradição brasileira.

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