A busca pela estabilidade em um mundo onde nada é feito para durar

I – A única coisa permanente no mundo de hoje é a mudança. A frase que inicia esse artigo não é recente, alguns a atribuem ao filósofo Heráclito (aprox. 500 – a.C.), mas certamente ela nunca foi tão atual. Vivemos em um mundo no qual as mudanças são sucessivas e aceleradas, o que gera um impacto significativo na vida de todos nós. Se for verdade que a mudança é fonte de dinamismo e inovação, seja ela social ou mesmo tecnológica, por outro lado, também é desencadeadora de uma profunda ansiedade. Lidar com um mundo em mudança permanente exige uma paciência que a aceleração produzida pela própria mudança não permite.

II – Uma das vantagens de já ter vivido mais de quatro décadas é ter visto o mundo em momentos históricos diferentes. Quando nasci o país vivia uma ditadura civil-militar, as liberdades políticas e individuais eram cerceadas e pessoas eram submetidas à tortura devido ao seu posicionamento político contrário ao regime autoritário. Meu pai era bancário, minha mãe cuidava de mim, da minha irmã e da casa. Nossa vida era bastante simples: tínhamos o suficiente para viver. Havia uma demanda por liberdade política na minha família, principalmente na voz da minha avó paterna e do meu pai. A vida era relativamente estável, não por causa do ambiente político, que em pouco tempo deu origem a uma grave crise econômica, mas porque meu pai tinha um emprego de muitos anos. Aliás, essa era uma possibilidade factível no final dos anos 70, início dos anos 80: emprego por muito tempo, casamento para toda vida, amizades de longa data, eletrodomésticos com durabilidade elevada. Parecia que tudo era feito para durar, o tempo passava mais lentamente e o jornal, a televisão preto-e-branco, o rádio, as conversas do cotidiano e os livros eram as nossas principais fontes de informação.

III – A verdade é que tudo mudou muito rápido. Em 30 anos o mundo que conhecíamos quase desapareceu. O avanço tecnológico deixou a informação e a vida mais aceleradas e as relações pessoais se tornaram de curto prazo, mesmo que ainda persista certa ânsia por estabilidade. Projetos de vida de longo prazo não fazem mais parte da vida da imensa maioria, o ritmo de vida das pessoas é frenético e os eletrodomésticos precisam ser trocados periodicamente (sempre me lembro do liquidificador azul da minha mãe, que atravessou quase 20 anos sobre um balcão de cozinha). É verdade que essa nova realidade trás oportunidades e riscos. Oportunidades de negócios, de ampliar conhecimentos e estabelecer canais de diálogo com pessoas distantes geograficamente, mas também riscos ambientais, sociais e de saúde pública. Nunca tanta gente se sentiu esgotada. Nunca tanto ansiolítico foi consumido.

IV – O fato é que parece existir uma desconexão entre aquilo que mundo apresenta e as nossas demandas. É verdade que todo processo de mudança demanda adaptação, sobretudo dos mais velhos. Entretanto, os níveis mais elevados de ansiedade podem ser identificados nos mais jovens. A busca por estabilidade em um mundo de relações cada vez mais instáveis e precárias parece ter acertado em cheio as novas gerações. Muitos deles foram criados por nós, que tínhamos como referencial um mundo diferente, mais previsível, e agora precisam se adaptar à nova realidade. Não é à toa a necessidade dos mais jovens em declarar amor para a vida toda, a iniciativa de tatuar o nome da pessoa amada no próprio corpo, a necessidade de depositar e demonstrar publicamente os afetos. Culpar terceiros pelos próprios fracassos entra no mesmo pacote. A instabilidade do mundo contemporâneo torna o fracasso ainda mais doloroso e difícil de lidar, o que faz com que uma explicação externa seja mais bem digerida.

V – Se a minha geração paga o preço da adaptação a esse novo mundo, os mais jovens, por sua vez, precisam se adaptar a ele sem uma referência de passado. Tudo é mais doloroso. Vínculos pessoais frágeis, trabalho intermitente (depois da reforma trabalhista na real acepção da palavra) e uma vida que passa em ritmo frenético são a regra em um mundo que se alimenta da instabilidade. O hoje e as experiências contam mais do que o ontem e a posse material, mesmo que isso também tenha espaço nas aspirações mais profundas. Não é fácil ser jovem no mundo de hoje. Não que algum dia tenha sido, mas viver um período histórico de transição é sempre desafiador e cheio de incertezas. Como dizia o poeta, “que (tudo) seja eterno enquanto dure”.

Por Luís Fernando Santos Corrêa da Silva

E-mail: lfscorrea@gmail.com

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