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“Doença mental não é uma escolha”

Depressão será uma das principais doenças em 2050

Religiosamente o final do ano traz consigo as festividades, momento de reunir a família e se preparar para o ano novo. Contudo, tamanha ‘movimentação’ em prol das datas comemorativas, faz com que algumas pessoas se ressintam da ausência de familiares, seja porque faleceram ou estão longe. Esses são apenas alguns dos fatores que tornam este período mais melancólico e tristonho. É claro, tais sentimentos estão presentes ao longo do ano e tem aumentado de forma significativa, principalmente no que se refere aos quadros depressivos. Pensando nesta temática, a Rádio Cultura e Jornal Boa Vista, conversaram com o médico psiquiatra, Diego Mincarone Dexheimer. Abaixo, alguns trechos da entrevista:

Muitas pessoas se tornam melancólicas nessa época. Qual sua opinião sobre os sentimentos negativos que afligem inúmeras pessoas às vésperas do Natal e Ano Novo?

Isso acontece muito e o que me vem na cabeça é que o Natal, Ano Novo, na maioria das vezes, envolve as relações familiares muito intensas, marcantes, relevantes e por vezes, os problemas dos pacientes estão justamente inseridos neste contexto – seja ele conjugal ou entre pais e filhos. Essas, talvez, sejam as relações mais importantes que temos e, na medida em que não estão ocorrendo da forma que a gente espera, tudo fica mais difícil. Final de ano traz o resumo de uma trajetória e culmina num momento em que as pessoas precisam estar com a família.

“Pior do que usar medicamento a vida toda, é não ter remédio para o problema”

Ao longo do ano você tem perfis específicos de pacientes ou, eles se assemelham?

Há uma grandiosa sazonalidade de transtornos. Inverno, frio rigoroso, está associado a quadros mais depressivos, onde as pessoas ficam recolhidas em seu lar, ambiente pessoal, propiciando casos de depressão. Ao longo do ano as questões se repetem, porque os problemas humanos se repetem, somos diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos, assim como os problemas. Já os perfis de pacientes têm a impressão que as mulheres se cuidam mais e procuram com frequência auxílio. Não por terem mais problemas do que os homens, mas pela sensibilidade de perceber quando o problema existe. O homem é mais resistente, não só na psiquiatria, mas na saúde como um todo.

Ainda existe machismo/tabu por parte dos homens na busca de um Psiquiatra?

Ainda vivemos o contexto que o homem na sociedade precisa ser o chefe da família, o mais forte, aquele que não se deixa abater ou derrubar por qualquer situação. Nada mais é do que uma questão histórica e ao longo dos tempos, se consolidou essa imagem. Muitos desses espaços já são divididos com as mulheres, mas é claro, não podemos esquecer que vivemos numa cidade do interior, com a cultura e criação parecida com antigamente. Essa posição de destaque em relação à condução da família faz com o que o homem precise da imagem de inabalável, de alguém que não tem problemas e não fica doente. Já é assim com relação às mais diferentes doenças e, em termos de transtornos psiquiátricos, só repete o padrão.

O homem quando procura ajuda é porque seu quadro já está avançado?

Normalmente o problema é maior do que seria se tivesse buscado ajuda num primeiro momento, quando pessoas já haviam comentado que um auxílio seria importante, ou quando, ele começou a perceber que alguma coisa não estava bem. Tal comportamento é característico dos homens, em função da resistência.

O estresse está associado aos transtornos psiquiátricos?

O estresse faz parte desta realidade. É claro, isso, em absoluto, não é a única razão, ou a principal, mas uma delas. Até porque tem pessoas que teriam tudo para ser infelizes, mas não são, ou para serem estressadas.

Qual o papel do psiquiatra e como pode colaborar?

Basicamente trabalho com duas ferramentas, medicação e psicoterapia, porque problemas de saúde mental são problemas de saúde, apesar das pessoas não terem essa visão bem estabelecida. Meu papel muitas vezes é mostrar outro ponto de vista em relação àquilo que a pessoa está vendo. Por vezes o paciente não consegue enxergar o problema sob outra perspectiva, é sempre sob o seu ângulo, seu ponto de vista, sem uma visão alternativa sobre aquilo que pode se apresentar como outro caminho. A psicoterapia auxilia muito neste processo, é uma conversa orientada, tem origem nos estudos da psicanálise, mas cada caso é um caso, não existe receita de bolo.

Quando se deve buscar um psicólogo ou psiquiatra?

O psiquiatra tem a ferramenta de usar medicação nos pacientes. Já a psicoterapia é compartilhada por médicos e psicólogos. Muitas vezes o tratamento é combinado, pois são áreas de atuação parceiras.

Há restrição/receio quanto ao uso de medicamentos?

As pessoas tem uma serie de restrições com relação ao uso de medicamentos. Isso não quer dizer que vai tomar medicamento a vida toda, mas se ela precisar, não vejo problema. Sempre digo que pior do que usar medicamento a vida toda, é não ter remédio para o problema. Eu falo para os meus pacientes que espero que eles possam tomar a menor quantidade de medicamentos possível e pelo menor tempo possível.

“É fundamental o papel da família, o olhar externo ajuda”

A depressão é uma das principais doenças?

Hoje a depressão é a doença mais prevalente, de maior procura. Números estimam que no ano de 2050 a depressão vá ser uma das principais doenças. Vem num crescente, o que tem dois aspectos: positivo, o que me leva a crer que as pessoas estão procurando mais ajuda, por isso sabe-se que tem mais pessoas deprimidas. Já a parte ruim é que muitas pessoas estão sendo acometidas. Depressão está muito associada à tristeza, o deprimido clássico é aquele muito triste, mas também a inúmeros outros fatores e tipos de depressão. A minha tristeza é diferente de todas as pessoas, deve ser vista de maneira particular, os porquês são os mais variados. Um porquê para você, pode não ser um porquê para mim.

Eu escolho ser deprimido ou não?

Costumo deixar bem claro aos pacientes e principalmente aos familiares, de não tratarem doença mental como uma escolha. Eu posso simular sintomas, fingir que não estou bem? Posso! Mas com uma avaliação bem feita por um profissional, orientada, acaba identificando se isso está acontecendo ou não. Mas de modo geral, as pessoas que estão doentes, elas não escolhem estar. O que elas podem escolher é se tratar, admitir que estão doentes. Se as pessoas continuarem entendendo que está tudo bem, que vai passar, e não precisa fazer nada, fica difícil.

É melhor deixar fluir, vivenciar a tristeza ou combatê-la?

É muito difícil falar sobre o que está incomodando, vivenciar a tristeza e tentar entendê-la, mas é o caminho. É um período de dificuldade, muitas pessoas num primeiro momento abandonam a psicoterapia porque é difícil. Não é só chegar à frente de um médico ou psicólogo e falar, essa é a parte fácil. Vivenciar coisas que a pessoa está tentando esconder dentro dela, ou está buscando não pensar a respeito é o desafio. O ideal por mais complicado que seja é experimentar o gosto amargo do remédio e se tratar.

É possível maquiar por algum tempo, esconder um quadro depressivo, levando em conta o caso do comediante Robin Williams?

É possível esconder e naquele momento, talvez seja a melhor forma de enfrentar a dor, sofrimento, pois olhar de frente é muito doloroso. Às vezes se usa desse tipo de defesa, mecanismo, justamente para tentar lidar com o que tanto incomoda. Robin Williams foi um dos melhores comediantes que tivemos nos últimos anos e fazia um trabalho muito bom. Talvez, pelo tanto que ele precisava ser bom naquilo para esconder seus sentimentos. Isso às vezes pode ser saudável se você consegue trabalhar o que sente de forma positiva, mas também pode mascarar um quadro que está ficando cada vez mais grave. Sempre que a pessoa perceber que algo está acontecendo com estranheza, tem que procurar ajuda para entender se é um problema, o tamanho dele e o que pode ser feito.

“Se as pessoas continuarem entendendo que está tudo bem, que vai passar e não precisa fazer nada, fica difícil”

De que forma a família pode auxiliar neste processo, identificar/visualizar que a pessoa está precisando de ajuda?

É fundamental o papel da família, o olhar externo por vezes ajuda. Claro, isso funciona para os dois lados, uma família que apoia pode auxiliar, já uma família que diminui este problema e não enxerga como problema de saúde, pode fazer com que a pessoa tenha mais resistência a um tratamento. A pessoa muito triste por hora é o deprimido, mas nem todos são aqueles de livros que chegam ao consultório e se enquadram nos critérios de diagnósticos. Algo importante é observar as mudanças no padrão de comportamento. A pessoa muito calma passa a ficar irritada, era sociável e de repente se torna introspectiva, recolhida e isolada. Sinais sutis na vida das pessoas, seja do trabalho, em casa, servem de alerta.

Há algo que pode ser feito no dia-a-dia para auxiliar no bem estar?

As pessoas deveriam tratar a saúde mental como a saúde física, se prevenir. Acredito que muitos já tenham ouvido dos seus avós que a gente colhe aquilo que planta. Se eu procurar levar a vida fazendo coisas boas para mim e aos outros, tratando as pessoas como eu gostaria que fossem tratadas as pessoas que eu amo, os resultados serão positivos. A medida do amor que a gente recebe, é a medida do amor que sentimos por nós mesmos. O que define o quanto as pessoas vão nos amar, é o quanto a gente se ama. Muitas vezes cobramos respeito, admiração, esse tipo de retorno do outro, mas não demonstramos ter por nós. O nosso principal parâmetro somos nós mesmos.

Há uma faixa etária mais vulnerável a depressão?

Se obervarmos as estatísticas, vamos perceber algumas diferenças de faixas etárias, homens e mulheres. Mas infelizmente qualquer idade, qualquer pessoa está sujeita a um quadro depressivo. Por isso é preciso cuidado com os extremos de faixa etária. Já ouvi pacientes falando: aquele vozinho sempre foi rabugento, emburrado, ele sempre foi assim. Mas, se a pessoa sempre foi assim, pode ser que alguma coisa está errada. Isso também vale para as crianças, muitos pais acham que é manha, birra, mas por vezes não é bem assim. Tem coisas que as pessoas falam para minimizar o problema, aí não precisa resolver.

“Mostrar outro ponto de vista em relação àquilo que a pessoa está vendo”

Uma sociedade cada vez mais conectada aos meios digitais e desconectada das relações, tem causado transtornos?

Sim, ironicamente vivemos numa sociedade extremamente conectada, em que as pessoas estão cada vez mais desconectadas delas mesmas e do outro. A gente precisa de um equipamento intermediário para fazer isso. Vícios em redes sociais, tecnologias, têm gerado transtornos psiquiátricos. Muitas coisas podem ser saudáveis, dependendo a maneira como a gente as usa. Um celular é só um celular, ele depende de mim para operá-lo, não é culpa dele, é minha. Precisamos fazer um uso racional daquilo que o mundo moderno está nos proporcionando.

Há dados que apontam quais profissões apresentam maior número de casos de depressão e ansiedade?

As mais variadas profissões tem relação com algum transtorno psiquiátrico e situações de ansiedade. Entretanto, a profissão isoladamente não é o único fator responsável, tem a ver com a história da pessoa e como ela lida com as coisas. Está inserido no contexto, nos fatores que são importantes para cada um. Na medida em que o trabalho passa a ser boa parte da vida das pessoas, os casos de depressão e ansiedade, consequentemente se sobressaem.

Dados apontam que em 2050 a depressão será um dos principais problemas do país. Como se encaixam as políticas públicas de saúde neste contexto?

As políticas públicas de saúde são muito pobres no país, em saúde mental, mais precárias ainda.  Afinal, a saúde mental por muito tempo foi motivo de interesse político. Sem contar que o doente mental por anos foi excluído da sociedade, considerado alguém que não precisava de ajuda profissional. Leitos hospitalares públicos fecham todos os dias no país e os psiquiátricos, em maior escala.

Por Carla Emanuele 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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