E POR QUE NÃO?
Em uma tarde não muito distante do tempo atual conversava com uma amiga de longa data, havia um tempo que não nos víamos. Conversávamos das incompreensões que vemos e vivemos. Como mãe ainda tem dificuldade de entender das escolhas que os filhos fazem e que são alheias a sua vontade. Pensei em Khalil Gibran no poema Vossos filhos:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho”.
Os filhos têm pensamentos próprios e são responsáveis pelas escolhas que fazem. Minha amiga me conta que tentou avisar sua filha do que via antes que a filha imatura tivesse condições de perceber, o caráter do namorado, já que a fama não era das melhores. Mãe contra, filha a favor. A filha saia escondida para se encontrar com o rapaz que boa fama não tinha, mas a desventura da paixão inebria corpos e mentes e assim foi mais uma vez.
Sem escolha a mãe em sua sabedoria e angustiada entendeu que nada podia fazer, aceitar e esperar os dias transcorrerem. E eles transcorreram e, infelizmente, com eles vieram os choros, olhos roxos, hematomas e mais hematomas, empurrões, maus tratos frequentes, violência de toda sorte, filho veio, separação veio, dor veio.
Por vezes a dor se torna enorme e vai tomando conta do corpo e da mente, das entranhas a dilacerar a vontade de estar entre os vivos. Pouco a pouco tudo vai perdendo sentido e cor.
Em uma madrugada minha amiga recebeu uma ligação do ex genro, que já refazia a vida e a violência em outras paredes, dizendo apavorado “ela dormiu”. A mãe meio sonolenta pensou “que bom que dormiu assim descansa, não pensa”. Até entender que aquela ligação exigia vestir-se e sair rapidamente para socorrer a filha, pois a ligação ao ex era uma despedida do amor que ainda pensava sentir. Muitas drágeas foram ingeridas, mas em tempo foi socorrida.
Esse caso não é isolado. As tentativas de suicídios são comuns no que revelam as estatísticas, muitas vezes subnotificadas.
Por que incomoda falar em suicídio? Por que desperta medo de que podemos realizar o mesmo ato? Podemos nos questionar o que leva uma pessoa a desistir da vida “tão boa”, lembrando que para algumas pessoas a vida não é tão boa. Algumas vezes a vida passa rasteiras e não conseguimos nos levantar e voltamos a violência contra nós mesmos. Morrer também é uma escolha que por vezes temos dificuldade de aceitar.
Ao pensar na filha de minha amiga fica um questionamento: o que a levou a tentar suicídio? Desilusão amorosa, separação conjugal, estresse continuo são alguns dos fatores de risco que podem ser precipitantes da escolha por morrer. Por vezes, torna-se difícil levantar-se, achamos que não há saída, é preciso encontrar ajuda e ela pode estar em vários lugares. Psicoterapia pode ser uma delas e aprender a falar do que dói mesmo que isso leve um certo tempo.
O ato suicida é uma comunicação que precisa ser ouvida. Minha amiga ao final da conversa disse-me: “como é bom conversar”. Talvez precisamos ouvir mais uns aos outros e isso nos ajude a viver, mesmo que isso implique em escutar sobre tentativa de suicídio, vontade de morrer, desejo de desistir… E por que não?
Maria Emília Bottini
Psicóloga clínica da InterAções Psicologia Clínica Aplicada.
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)
Autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer
E-mail: emilia.bottini@gmail.com