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O declínio do homem público!

Refletir criticamente necessita informação e recolhimento. Significa posicionar-se diante dos fatos e acontecimentos para a além do mundo fugaz das aparências. Desejar ser um outsider é ir contra a maré em que quase todos se afogam e, navegar para longe dos juízos moralistas e das verdades absolutas. A ciência social é um campo eivado e repleto de incertezas em que a dúvida é a variável permanente, se não fosse isso, não seria ciência social. De modo que ao tentar compreender a sociedade, busca-se de certa forma compreender a si sobre qual o papel, causa e legado que poderá permanecer aos que vão nascer. Talvez, isso seja demais pretensioso. Quem sabe a vida seja apenas um passar de poucos e escassos dias, uma temporada permeada de primaveras e invernos, erros e acertos, e nada mais do que isso.

Contudo, Homo sum: nihil humani a me alienum puto – sou homem: nada do que é humano me é estranho, escreveu o poeta e dramaturgo romano Publio Terêncio em Heaautontimorumenos (O punidor de si mesmo). Dessa forma, há grande dose de possibilidade que, dadas a determinadas circunstâncias, qual sejam elas interesseiras, oportunas e necessárias, qualquer indivíduo é capaz de cometer atos, desde os mais heroicos até os mais vis e deploráveis. E ainda assim, criar contorcidas e controversas narrativas para justificá-las, especialmente, quando há o desejo de manter e justificar o que é realizado em nome do poder econômico, político e ideológico. E neste particular, o poder é o lugar privilegiado em que tem se manifestado o declínio do homem público, título tomado de empréstimo do sociólogo Richard Sennett, ao interpretar os conflitos entre as relações públicas e privadas que se expressam nas organizações das sociedades modernas.

De qualquer modo, nada está pronto e acabado. São as narrativas socialmente elaboradas que sedimentam os valores morais que normatizam e regem os papéis dos indivíduos nas esferas públicas e privadas. São eles que dão conteúdo e forma que alicerçam e sedimentam os complexos liames da sociedade. Entretanto, na pós modernidade os valores e os papéis se tornaram confusos, relativos e líquidos. Dito de outra forma, é tênue a separação entre o comportamento público e o privado, ambos estão sendo projetados para dar vazão ao desejo de ser visto e referenciado, justificado e por fim aceito. Essas tendências são vendidas e interpretadas pela sociedade como produto e expressão do poder inalienável da libertação do indivíduo sobre os interesses coletivos, como se fosse tudo permitido, tudo da lei.

Os freios e os constrangimentos morais, que devem reger os comportamentos e as relações do adequado e do razoável foram e estão continuam sendo erodidos. Por outro lado, grande parte das instituições públicas, sobretudo aquelas que são financiadas com recursos públicos, ou seja, pela via dos impostos obrigatoriamente cobrados, não estão sob controle público devido a ausência de pressão e fiscalização contínua do cidadão, talvez devido à baixa capacidade de dar respostas às demandas mais urgentes da sociedade.

Dessa forma, os representantes políticos e os gestores de serviços públicos devem ser continuamente constrangidos (no bom sentido), fiscalizados e cobrados na perspectiva do bem comum, afinal sua principal função é servir, não ser servido.

Eliziário Toledo

Sociólogo. Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB). Mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFFS). E-mail: enbtoledo@gmail.com.

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