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Como viver de teatro em uma cidade que finge que o teatro não existe?

No anfiteatro, sob o céu de estrelas

Um concerto eu imagino

Onde, num relance, o tempo alcance a glória

E o artista, o infinito

 (Chico Buarque, em Tempo e Artista)

 

Já imaginou-se vestindo a pele de um artista? É o que Chico Buarque tenta expressar na letra da música que acabas de ler. Como é que pensam os pequenos e pequenas atores e atrizes quando ainda crianças? Onde moram a criatividade e a ânsia pelo barulho, será que no coração ou no estômago para serem tão encantadores quando falam pela primeira vez no palco?

Preocupados com a democratização da cultura[1], será que essa cidade dá voz a quem está teatrando, ou melhor, para esses pequenos astronautas com ânsia de fazer barulho que ainda não pousaram no planeta teatro, escondidos por trás da timidez?

“Não apenas pela cultura em si ser pouco trabalhada em escolas, mas também o teatro, de todas as formas de arte, é a mais barulhenta, não tem como fazer teatro sem fazer barulho, e vivemos ainda presos com a ideia de que a escola deve ser um local silencioso, com crianças que entram quietas e saem caladas. O teatro vai contra a ideia de silêncio, faz as pessoas se expressarem, gritarem, pensarem. É uma ferramenta poderosa, não acho que essa negligência seja à toa”, afirma Luiza Fialho[2], atriz erechinense de apenas 18 anos, que atuou como Helena no mais recente curta-metragem “Um Amor Fantasma”, ação cultural aprovada e apoiada com recursos da Lei Paulo Gustavo[3].

Como viver e fazer teatro em uma cidade que tira o barulho das crianças e impõem uma “cultura do silêncio”, numa escola antidialógica? Luiza compartilha seus primeiros anos no teatro e coloca que a timidez (imposta pela cultura do silêncio) foi uma de suas grandes antagonistas, pois “teria progredido mais, se, dentro da escola, já tivessem me ensinado a me expressar em público, sem vergonha do espectador”, diz ela, complementando que o teatro a ajudou muito a se expressar.

Evidenciamos então que o teatro é necessário para a ruptura dessa “cultura do silêncio”, para entender que sua voz também é importante e deve ser escutada, sem o medo que a escola impõe em seu ímpeto antidialógico, “A educação é política e a política tem educabilidade. Então, quando estou convencido disso […] trato meu medo não como um fantasma que me comanda. Eu sou o sujeito do meu medo”[4], por isso, se você é um/a educador/a e está lendo isso, pegue seu medo e seja ousado/a, vai saber de quantos futuros atores e atrizes matamos sonhos todos os dias?

As condições tanto para iniciantes quanto para veteranos(as) no teatro são péssimas: “Não temos uma escola adequada, com capacidade para atender tantos alunos, a escola que temos, mesmo com muita demanda, não abre novas turmas e nem contrata novos professores, é um desrespeito com a arte da cidade, para dizer o mínimo. O que quero mostrar com isso, é que formamos cada vez menos atores, o aluguel do teatro da cidade é caríssimo, o Festival de Teatro de Erechim (LEI N.º 6.474, DE 03 DE JULHO DE 2018), que se realizava anualmente parou de acontecer depois da pandemia, digo, como viver de teatro em um local que finge que o teatro não existe?”, diz a atriz.

No silêncio da cidade, ainda existe uma voz que insiste em trazer esperança e mudança, e esse barulho incomoda! Tem de incomodar! Nos tirar do comodismo! Tem de desnaturalizar o nosso cotidiano, o que é tão comum mas não deveria ser, ser atriz para Luiza é um ato de resistência e a mesma sonha em uma cidade rica em teatro, “Teatro é uma parte minha, como é de qualquer um que já se apaixonou por ele”, ressalta.

Entre Aspas

Luiza Fialho (@vienadivi) tem apenas 18 anos e já atuou em diversas peças como: Salada Completa (2019), Um novo planeta (2021), O mundo sem som (2021), Pessoas Perfeitas (2022), Especial de Páscoa (2022), Paixão de Cristo (2022) Monólogo: Anita Malfatti (2022), Ela (2023), Laços (2023) e Um Amor Fantasma (2023).

Se você quer seguir teatro, tem bons conselhos de alguém jovem mas já muito experiente, Luiza diz a sua palavra em bom som: “É preciso muita coragem e humildade. O teatro não é fácil e a glória não é imediata. Infelizmente você acaba conhecendo muita gente ruim, muitos ‘atores’ (se assim podemos chamar) que vão querer te ‘atropelar’ por se sentirem superiores. Tenham humildade, mas não tenham sangue de barata. Ouçam conselhos dos seus amigos e professores, e tenham a coragem de seguir por esse caminho difícil, porém, o mais maravilhoso de suas vidas. Venham com coragem e venham logo, precisamos de vocês.”.

Kaylani Dal Medico

Discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFFS Erechim.

Bolsista do Projeto de Extensão “Dizer a sua palavra”: democratização da cultura popular e da comunicação

kaylanidalmedico@hotmail.com

[1] Freire, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2023.

[2] A Atriz autorizou o uso de sua imagem e identidade nesta publicação.

[3] Brasil. Ministério da Cultura. Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), de 08 de julho de 2022. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 de julho de 2022.

[4] Freire, Paulo. Medo e Ousadia: O Cotidiano do Professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021, p. 107.

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